Presidente da CPI dos trotes vê impunidade uma década após denúncias em 7 universidades: ‘Tudo foi arquivado’


Comissão foi concluída em 10 de março de 2015. Objetivo era apurar se universidades paulistas foram omissas ou negligentes com casos de violação de direitos humanos contra estudantes. Dez anos após fim da CPI dos trotes, presidente ainda vê impunidade
Uma década após denúncias de trotes violentos em sete universidades darem origem a uma CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo, o presidente da comissão, Adriano Diogo (PT), afirma que o cenário ainda é de impunidade.
“Levamos tudo para o Ministério Público, foram feitas algumas comissões de mediação, modificação de procedimentos, mas do ponto de vista de punição nada prosperou, tudo foi arquivado”, lamenta Diogo.
A CPI foi criada em 16 de dezembro de 2014 e concluída em 10 de março do ano seguinte. O objetivo era apurar se universidades paulistas foram omissas ou negligentes com casos de violação de direitos humanos contra estudantes.
Depois de 35 sessões e mais de 100 depoimentos, os deputados integrantes da comissão ouviram opiniões de professores e especialistas e o depoimento de vítimas que relataram casos de abusos em sete instituições:
Universidade de São Paulo (USP)
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP)
Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas)
Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI)
“Fizemos uma audiência dentro da Câmara Municipal de Campinas que foi uma das coisas mais barra pesada que eu fiz na minha vida. […] Hostilização. Os alunos que faziam as denúncias, os relatos, altamente reprimidos e rechaçados”, relembra o presidente da CPI.
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Cultura enraizada
Médico infectologista e ex-aluno da Unicamp, André Citroni Palma diz ter sido vítima de violência física e moral durante os trotes universitários. “A cultura é tão forte, ela é tão enraizada que você refletir que isso é inadequado é às vezes inimaginável”, destaca.
À época das denúncias, o egresso fazia parte do Centro Acadêmico e participou ativamente da CPI. Hoje, Palma vê a investigação como um passo importante para tornar o problema conhecido fora dos campi.
“Eu acho que a CPI foi um salto porque trouxe essa problemática para fora da universidade. A sociedade que financiou a universidade pública passou a ouvir com voz o que acontece dentro do ambiente universitário”, diz o médico.
Antônio Almeida é professor da Esalq/USP e autor de livros sobre violação de direitos humanos nas universidades. Ele reforça a percepção de que, apesar da impunidade, a CPI foi precursora de um debate que segue relevante.
“Revelavam coisas de uma atrocidade muito grande. […] A cada novo escândalo que ocorre, aquilo que a CPI fez volta. A CPI com mais de 3 mil páginas é um documento extraordinariamente importante na luta contra o trote no Brasil”, pontua o docente.
Estudantes da PUC em Sorocaba depõem na CPI dos Trotes na Alesp nesta quinta (29)
Ricardo Kobayaski/divulgação
Investigação no estado
Em praticamente todas as instituições denunciadas na CPI, relatos de abusos e violações de direitos envolvem os cursos de medicina. A Faculdade de Medicina da USP foi citada em cinco denúncias de estupro consumado ou tentativa de estupro.
Na USP, casos de abusos também foram relatados envolvendo estudantes do curso de medicina em Ribeirão Preto, de geografia na Cidade Universitária, na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba e no curso de veterinária de Pirassununga.
Na Esalq, um dos rituais de entrada envolvia chibatadas, envenenamento e a ingestão de comida estragada e misturada com vômito. Além disso, uma estudante disse que escapou de uma tentativa de estupro.
Na Unesp, houve relatos envolvendo estudantes do curso de biologia.
Na PUC-SP, no campus de Sorocaba, onde é ministrado o curso de medicina, denúncias apontaram que alunos seriam obrigados a ingerir fezes e vômito durante os trotes, e até correr sem roupas.
Na FAI, as denúncias diziam respeito a trotes violentos com estudantes de vários cursos. Uma das alunas, caloura de pedagogia, foi atingida nas pernas e no umbigo por um produto químico jogado em um trote que aconteceu fora da faculdade.
Campus da Esalq, em Piracicaba
Carlos Alberto Coutinho
O que dizem o MP e as universidades?
A EPTV, afiliada à TV Globo, questionou o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) sobre a continuidade das investigações, e o órgão disse que ainda existe um inquérito civil para apurar os fatos, mas não deu detalhes.
A PUC-Campinas afirmou que repudia os fatos ocorridos e que, em 2015, formalizou uma denúncia no Ministério Público.
Além disso, confirmou que os professores envolvidos com os trotes deixaram a universidade na época e que, desde então, não recebeu mais denúncias. Atualmente, a universidade conta com um canal de denúncias chamado “Fone Trote” e realiza apurações internas com sanções.
Já a Unicamp declarou não haver registro de casos violentos dentro do campus e que não recebeu novos relatos desde 2015. Destacou que os casos mencionados na CPI ocorreram fora da universidade e que os alunos envolvidos compareceram voluntariamente à comissão.
Afirmou, ainda, que não há citação de docentes no contexto dessa investigação e que segue a lei estadual que proíbe atividades constrangedoras ou de risco com calouros. A instituição mantém canais de suporte aos estudantes, percebe uma redução na ocorrência de comportamentos inadequados nas “calouradas” e promove campanhas sobre respeito e valorização dos direitos humanos.
No caso da USP e da Esalq de Piracicaba, não houve nenhuma resposta sobre punições, apurações e combate a trotes violentos.
As atléticas dos cursos de medicina da PUC e da Unicamp responderam que repudiam trotes violentos e que, desde a CPI, não registraram mais práticas violentas no ingresso de calouros.
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