História da cidade e críticas sociais: compositoras falam sobre processo de produção de marchinhas para o carnaval


Telminha Tessilla é neta de Sebastião Pereira de Paula, artista que marcou o carnaval sorocabano. Marcia Mah é compositora de MPB e fez sua primeira marchinha este ano para manifestar oposição à obra da marginal direita do Rio Sorocaba. Da esquerda para a direita estão Telminha Tessilla e Marcia Mah, compositoras e cantoras de Sorocaba (SP)
Reprodução/Facebook
Fáceis de decorar, cativantes e cantadas em coro pelo povo brasileiro. Estas são algumas das características marcantes das marchinhas de carnaval, que normalmente falam da folia e da região onde os foliões moram ou contêm críticas sociais, que engajam a comunidade a expressar opiniões e emoções.
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Em Sorocaba, no interior de São Paulo, o carnaval é marcado por diversos blocos, que envolvem centenas de pessoas nas ruas todos os anos.
O g1 conversou com duas compositoras de Música Popular Brasileira (MPB) e de marchinhas de carnaval, que contaram como a música e a dança são fatores importantes para criar memórias e laços afetivos, além de transformar as experiências culturais das pessoas.
📖 Telminha Tessilla, neta de Sebastião Pereira de Paula
Telminha Tessilla, de Sorocaba (SP), é compositora, cantora e dançarina, e participa do bloco de percussão Krucatá
Reprodução/Facebook
Herdando da família a paixão pela música, o canto e a dança, Telma Cristina de Paula Tessilla, mais conhecida pelo nome artístico Telminha Tessilla, de 56 anos, é neta de Sebastião Pereira de Paula, um dos compositores de marchinhas mais lembrados dos carnavais de Sorocaba e região, tendo participado até da folia no Rio de Janeiro (RJ).
Em suas composições, Telminha tenta se inspirar em elementos do carnaval do interior do estado, mas também no avô, que morreu aos 96 anos, em 2010. Sebastião trabalhou na Estrada de Ferro Sorocabana, na qual teve a oportunidade de aprender a ler e escrever e, ainda, a tocar instrumentos.
“Meu avô é uma figura muito importante na minha vida e ele tocou em carnavais. Deixou um manuscrito dele, que fez em forma de versos. Ele adorava tocar chorinho, aprendeu a escrever e também a tocar o violino, cantava no coral, e, aí, ele foi fazer parte da Orquestra Carlos Gomes, ele e o irmão, na qual aprenderam a tocar outros instrumentos, como baixo e piston”, conta Telminha.
Sebastião de Paula compôs marchinhas e versos, tocava instrumentos e participou de orquestras em Sorocaba (SP)
Telminha Tessilla/Arquivo pessoal
Segundo Tessilla, o avô já foi homenageado em diversos blocos de carnaval e, inclusive, suas canções e versos são reproduzidos pelos foliões até hoje. “Cada vez que subo no palco para tocar no carnaval, me sinto próxima dele”, destaca a neta.
Uma das marchinhas de Sebastião se chama “Eu Vou Pra Sorocaba” e conta com versos como: “Lá é tudo uma beleza, é muito quente sim senhor, pois lá confete e serpentina inspira paz e amor”. Veja a partitura abaixo:
Marchinhas de Sebastião de Paula são cantadas até hoje nos carnavais de Sorocaba (SP)
Telminha Tessilla/Arquivo pessoal
Além das belezas do interior e da criatividade do avô, Telminha precisou se inspirar na saudade de pular carnaval na rua para compor uma de suas marchinhas de maior sucesso, a “Fervo na Avenida”.
Entre os versos estão frases como: “Pular meu carnaval, não tem ninguém normal, meu glitter vai brilhar feito cristal” e “vou de passo a passo pelo salão, na avenida onde passavam os carros agora passa o meu coração”.
Telminha Tessilla, de Sorocaba (SP), compôs uma de suas marchinhas durante a pandemia da Covid-19
Telminha Tessilla/Arquivo pessoal
Em 2021, ela e o grupo Krucatá não puderam pular carnaval como antes, devido ao período de pandemia da Covid-19. Mesmo com as limitações, as canções da sorocabana foram cantadas em videochamadas com a comunidade de foliões do Krucatá.
“Escrevi sobre aquela vontade de ir para a avenida se divertir. Era mesmo sobre a saudade de passar um glitter e ir brilhar no carnaval. A gente estava morrendo de saudade de ir para a rua ensaiar e tentamos fazer online e fizemos mágica, ninguém tinha instrumento, pensamos em como podia ser feito em casa, usar coisas de casa como balde, garrafa com arroz ou feijão dentro, até fazer um agogô com copo de água”, lembra Telminha.
Foliões com Telminha Tessilla, de Sorocaba (SP), em chamada de vídeo durante a pandemia
Telminha Tessilla/Arquivo pessoal
🏞️ ‘A margem do rio é das matas, das garças e capivaras’
Marcia Mah, de 57 anos, também é musicista de Sorocaba e trabalha na área há mais de 40 anos. Ela já lançou quatro discos e já se apresentou em diversas partes do Brasil e Portugal.
Marcia Mah é uma artista de Sorocaba (SP) que compôs sua primeira marchinha de carnaval em 2025
Reprodução/Facebook
Marcia normalmente compõe e canta canções do gênero MPB, mas resolveu se aventurar e escrever uma marchinha de carnaval em 2025, como forma de apoiar grupos defensores do meio ambiente dos quais faz parte na cidade.
A artista “abraçou” a ideia de manifestar a oposição contra as obras de construção da marginal direita às margens do Rio Sorocaba. Ouça a machinha “Barca Furada”:
Compositora escreve marchinha de carnaval sobre preservação da mata ciliar em Sorocaba
Segundo Marcia, todo ano o bloco “Depois a Gente se Vira” homenageia alguma figura importante e deixa todo o desfile temático a partir da escolha do homenageado, porém, em 2025, ao invés de uma pessoa, o homenageado foi o Rio Sorocaba, que, conforme a música, tem as margens que pertencem às garças e às capivaras.
“Ele [rio] faz parte da história da cidade. Os peixes, a vegetação ao redor, tudo tem uma importância até na origem da nossa cidade, porque ela foi construída ao redor do Rio Sorocaba e até este nome, Sorocaba, significa ‘terra rasgada’, rasgada por quem? Pelo rio”, conta a artista.
Para ela, a música é capaz de tocar as pessoas emocionalmente e, de certa forma, fazer com que elas questionem as críticas sociais enquanto cantam e dançam.
Entre os versos da marchinha estão: “Abra o olho minha gente, protege a Mata Ciliar, não deixa virar tudo asfalto, não deixa o verde acabar” e “Pista colada ao rio é barca furada, com enchente e enxurrada, não tem promessa nem dancinha que dê jeito, ó seu prefeito, desiste dessa empreitada”.
“A arte atinge as pessoas na questão emocional, toca o coração e a mente. Dessa forma, desperta para um tema que, às vezes, as pessoas não se envolveriam. Com a música, elas passam a refletir sobre este tema”, finaliza.
Marcia Mah, de Sorocaba (SP), pula carnaval com sua primeira marchinha
Marcia Mah/Arquivo pessoal
Obras da marginal direita do Rio Sorocaba
A obra da marginal direita do Rio Sorocaba vai ligar a Alameda Batatais, no Jardim Sairá, à Rua Padre Madureira, no bairro Árvore Grande, na zona leste de Sorocaba.
A construção, inclusive, é alvo de investigação do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) e não tem licença da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).
De acordo com o edital de licitação, são aproximadamente 1,8 mil metros de via. Ela será composta por uma avenida com dois sentidos de circulação, separadas por um canteiro central, além de calçadas nos bordos do viário e uma ciclovia integrando com a malha de ciclovia existente na cidade.
O volume de corte na obra é de 28.800 metros cúbicos. Já o volume de aterro ou compactação está estimado em 128.400 metros cúbicos.
Em nota, a prefeitura informa que a nova via trará o benefício de aumentar a segurança viária para motoristas, ciclistas e pedestres, além de reduzir o tráfego na marginal esquerda do Rio Sorocaba e de conectar, de maneira mais ágil, a zona norte à zona leste da cidade.
“A obra receberá também o alteamento na altura da Rua Saliba Mota, beneficiando comércios e moradores locais que atualmente sofrem com alagamentos.”
Os trabalhos deverão durar 18 meses, com início somente após a ordem de serviço. Isso só deve ocorrer após a liberação das licenças ambientais. A prefeitura espera que o início das obras ocorra ainda este ano.
Obra da marginal direita do Rio Sorocaba, em Sorocaba (SP), ainda não tem licença da Cetesb
Reprodução/Google Street View
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