Catadores de recicláveis recolhem 26 toneladas de materiais até terça de carnaval no Recife e reclamam de valores pagos e condições de trabalho


Importantes para limpeza do Bairro do Recife, trabalhadores reclamaram de equipamentos de proteção e do preço baixo pago por materiais. Prefeitura disse que seguiu normas de mercado e regras de segurança. Wallyson Câmara entrou num ponto de descarte de material reciclável para retirar latinhas de alumínio no Bairro do Recife
Jorge Cavalcanti/g1
Quantas latinhas de cerveja ou refrigerante são necessárias para completar um quilo de alumínio? Os catadores que trabalharam no Bairro do Recife durante o carnaval têm a resposta na ponta da língua. “Sessenta latinhas dá um quilo. Tem muita gente bebendo, mas também tem muita gente catando. Ontem consegui fazer R$ 100, trabalhando sem parar oito horas de relógio”, calculou Gustavo da Silva, de 33 anos.
Gustavo conversou com o g1 enquanto pisava latinhas, de chinelo, na noite da segunda-feira (3), na fila de espera da entrada da central da reciclagem, na Rua Álvares Cabral, no Bairro do Recife.
Segundo a prefeitura do Recife, até a noite de terça-feira (4), os catadores de materiais recicláveis que trabalharam durante o carnaval do Recife recolheram 26 toneladas de materiais nas ruas do Bairro do Recife.
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O preço pago pelo quilo do alumínio no ponto de troca foi de R$ 7,50. Os catadores que se cadastraram na Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) conseguiram receber R$ 8,50/Kg, desde que batessem a meta de entregar na cabine de comercialização 10 quilos do material.
“Está pouco. Tem ponto na Avenida Norte [também na região central do Recife] que compra a R$ 9. Conheço gente que preferiu não se cadastrar por conta disso”, disse Jailson Oliveira. Ele foi um dos catadores que preferiram levar as latinhas para vender no bairro de Santo Amaro.
Além do alumínio, outros quatro materiais puderam ser recolhidos e comercializados na central de reciclagem: PET (R$ 2,90/Kg), plástico (R$ 1/Kg), papel e papelão (R$ 0,40/Kg) e vidro (R$ 0,10/Kg).
O valor tão baixo fez com que muitos catadores não “perdessem tempo” à procura desses materiais e buscassem unicamente as latinhas.
Placa indica valor pago a catadores por materiais recicláveis durante o carnaval do Recife.
Jorge Cavalcanti/g1
Wallyson Câmara, 22 anos, teve um domingo de carnaval difícil. Ele conseguiu apurar apenas R$ 37. “Deu para fazer só o dinheiro do comer”.
O jovem, literalmente, mergulhou de cabeça no interior de um ponto de descarte de reciclável na Avenida Rio Branco, no Bairro do Recife. “Se não for assim, se jogando, não junta nada. De instante em instante tem catador passando nos lixeiros. Não dá tempo de sobrar latinha”, contou.
Já Edenildo Nascimento, 35 anos, e Pedro Júlio, de 19 anos, preferiram trabalhar em dupla. “Cada um fica de um lado da rua e vem pegando nos lixeiros. Junta tudo e, no final, divide por dois”, explicou Edenildo.
“Era para todo mundo que está cadastrado e receber da prefeitura o colete amarelo, o saco e um par de luvas. Mas teve gente que ficou sem receber as luvas. Edenildo recebeu. Eu, não”, complementou Pedro Júlio.
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O chapéu azul distribuído pela bet patrocinadora do carnaval do Recife e de Olinda completou o “fardamento”. Muitos deles de pés descalços. Todos os catadores com quem o g1 conversou eram pessoas negras.
Catadores fazem fila no Bairro do Recife para entregar materiais recicláveis recolhidos durante o carnaval.
Jorge Cavalcanti/g1
Sem materiais de proteção individual
As luvas distribuídas aos catadores para realizarem um trabalho considerado importante para a manutenção da limpeza dos pontos de folia no carnaval foram de plástico, que não são consideradas adequadas para o manuseio de alumínio
Foi possível identificar trabalhadores que, mesmo recebendo luvas, preferiram não usá-las, por achar que não seriam eficientes para proteger as mãos. “Desse tipo não protege nada. Preferia daquelas mais grossas”, contou catador de recicláveis Edenildo, que sequer chegou a tirar as luvas da embalagem.
Na noite de segunda (3), o g1 conversou com o responsável pela empresa que foi contratada para fazer a gestão de resíduos. Ele confirmou que não foi possível adquirir luvas para todos os 1.111 catadores cadastrados.
As que foram entreguem custam entre R$ 2,40 e R$ 3,15 no mercado. “Aquela mais grossa custa, em média, R$ 6”, informou Bruno Rodrigues. Segundo ele, com o orçamento disponível para a ação, precisou decidir entre mais luvas de qualidade inferior, ou poucas luvas adequadas ao serviço.
Pela movimentação na central de reciclagem no carnaval, Bruno Rodrigues disse que a quantidade de catadores de recicláveis não cadastrados superou em duas ou três vezes o número de pessoas cadastradas pela prefeitura do Recife.
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Douglas Fagner/PCR/Divulgação
O que disse a prefeitura
Em resposta ao g1, a prefeitura do Recife disse que respeita os catadores e reconhece “a importância que desempenham na cadeia produtiva do carnaval”.
Também disse que:
criou a “Casa Recife Carnaval” para acolher catadores não cooperados e trabalhadores da reciclagem em situação de vulnerabilidade;
ofereceu ponto de comercialização seguro, acessível e sem intermediários, para negociação direta com o setor formalizado;
a iniciativa envolveu cooperativas, em ambiente organizado, ágil e digno para trabalhadores envolvidos;
disponibilizou alimentação, dormitório, banheiros equipados, roupas limpas e assistência social;
os catadores receberam kits de segurança, com colete, boné, sacos resistentes e luvas;
a escolha das luvas seguiu critérios técnicos, “conforme normas e especificações regulamentadas para riscos mecânicos e químicos”;
os valores praticados na compra dos materiais foram definidos por negociação com o setor, seguindo parâmetros de mercado;
operações formalizadas exigem equipamentos adequados, requisitos documentais, rastreabilidade e atendimento a padrões de qualidade exigidos pelas indústrias compradoras;
as exigências diferenciam operações formais das informais, que “frequentemente ocorrem de maneira irregular e sem garantir as mesmas condições de trabalho e segurança”.
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