Elis Regina além da Pimentinha: música, voz, opinião e intensidade

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Difícil, antipática, insegura, prepotente, instável, mais ardida que pimenta. Quando se fala de Elis Regina, uma das maiores cantoras brasileiras, é comum que essas expressões e adjetivos acompanhem o nome dela. Mas o que nem todo mundo sabe é que a Pimentinha era mais do que um grande talento com um gênio forte. Então, por que não ouvir um pouco do que a própria Elis tinha a dizer.

Por exemplo, ela era um artista que defendia a música brasileira com unhas e dentes:

“Quando a gente fala assim: ‘proteção à música nacional’, não quer dizer que a gente esteja brigando contra a música estrangeira, a princípio. A gente briga é contra a música de péssima categoria estrangeira que tá sendo executada no Brasil. Essa loucura dessa falta de memória da gente é que, não só vai fazer com que tudo se perca, como vai continuar facilitando os discos, as tecs, as plecs, os funks, os punks, os ranks chegarem e tomarem conta, e até contribuir para, daqui a pouco, a gente não saber mais nem qual é o idioma de verdade da gente, né? Vai permitir que, no forró, no interior de Pernambuco, de repente, entre um tema qualquer de uma novela X que tá sendo apresentada e que seja dançado com muito mais animação que o forró anterior do Luiz Gonzaga”.

A defesa dos direitos dos músicos era uma grande bandeira para Elis, que abordava o tema da consciência de classe sempre que possível:

“Eu sei que a gente não pode formar caravanas para ir ao Ministério da Educação pedir pelo amor de Deus que o disco não seja taxado como supérfluo. Quem tem que fazer isso é o dono da gravadora. Mas tem nego que vai, o que eu vou fazer? Eles são manipulados a esse ponto, de brigar pelo interesse do patrão. Eu não vou brigar pelo interesse do qual eu recebo 10% de 90%. Quem tá com os 90% que vá lá brigar. Ora, consciência de classe muito pouca gente tem, o que a gente vai fazer? Consciência do que tem que ser feito, do que não tem que ser feito, pouca gente tem. E eu estou um pouco cansada de organizar assembleia. Eu até organizei uma entidade, a Associação de Intérpretes e Músicos, que não teve um sequer associado em todo o seu tempo de existência”.

Elis Regina também estava atenta ao contexto político do país, especialmente no fim da década de 1970, quando começou o processo de abertura do regime militar:

“A partir de 68, a gente passou por um período de vazio, inclusive vazio físico, né? Porque muita gente tava fora. Quando eu falo que havia o vazio físico, havia um vazio que era um misto de saudade, um misto de ansiedade, de realmente não se saber exatamente o que que é que estava acontecendo. A articulação existe, quer dizer, a gente tá com impossibilidade de se encontrar. E, neste momento, eu acho que a coisa mais importante é que a gente faça e que encontre uma ressonância, né?”.

A condição da mulher brasileira, outro tema que costumava ser debatido no fim dos anos 70, era mais uma questão que lhe interessava muito:

“Eu imagino que, no dia que as mulheres estejam no poder, o mundo vai ser mais simples. Elas são mães, elas não vão querer tanta guerra, não vão querer tanta confusão para os seus filhotes. Então, eu, na realidade, há muitos anos prego o matriarcado. A jornada dupla de trabalho, de ser dona de casa, ser mãe, ser esposa, ser artista e ter de batalhar e ter de segurar tudo que pinta, ter de organizar essa loucura que é você ter filho, você ter casa, você ter uma profissão, ao mesmo tempo ser mulher, e ser menina, e ser dona de casa, ser a santa, ser a mulher, ser a menina. Várias coisas a respeito de mulher já foram escritas, via de regra por homens, que conhecem a situação realmente, mas nunca viveram a situação”.

Em entrevista à Rádio Nacional em 1980, a Pimentinha se mostrou abalada com a morte do ex-Beatle John Lennon e preocupada com o rumo da humanidade como um todo:

“As pessoas só fazem mal umas às outras. As pessoas se criticam, as pessoas não perdem tempo escutando as outras, as pessoas prejulgam. Que estupidez, que truculência, sabe? Que violência! Não se permite mais ao ser humano o direito de uma lágrima. Eu, ontem, quase assisti ao assassinato de uma mulher. Entrei no meio para segurar e fui extremamente criticada por todo mundo, porque eu podia ter morrido. Eu sou uma pessoa de vida pública, eu vou me meter com a polícia. Como, cara? Uma mulher tava sendo assassinada. O ser humano tá perdido, sabe? Daqui a pouco, vai ter um louco, assim como um louco acionou um gatilho de um 38 e acabou com um gênio, vai ter um outro louco que vai apertar um gatilho maior que vai acabar com a vida da gente”.

Bom, a gente sabe que a fama de Pimentinha não é à toa, e ela mesma também sabia:

“Eu fiz o que eu pude. Se desagradei alguém, lamento, mas é o fruto da minha observação. Pode ser que eu esteja vendo o mundo por um prisma errado. Aí me desculpem, de novo, mas é o que eu acho”.

Mas, para ver Elis além da superfície, não tem segredo. É só escutar a voz dela com atenção para além das canções que ela interpretou:

“Nada, nada melhor na vida do que você ser total, completa e absoluta dona da sua cabeça, da sua vida, do seu corpo. Você faz o que você gosta, sabe? Quando trabalha, trabalha como você gosta, com quem você gosta, sabe? Tipo assim, é isso aí. Então, quando bota a cabeça no travesseiro, dorme contente, só que dorme mais cansado”.

Esta matéria usou trechos de entrevistas concedidas por Elis Regina à Rádio Nacional e à TV Cultura de São Paulo, entre 1978 e 1982.

Brasília (DF) 14/03/2025 - Veículos da EBC apresentam especiais para homenagear Elis Regina
Rádio Nacional e Rádio MEC recordam trajetória e obras da artista que faria 80 anos no dia 17 de março.
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Cultura Uma das maiores cantoras brasileiras, foi mulher à frente de seu tempo Brasília 17/03/2025 – 18:30 Rádio Educadora de Salvador / Rafael Guimarães Julli Rodrigues – Repórter da Rádio Educadora de Salvador Elis Regina segunda-feira, 17 Março, 2025 – 18:30 6:39

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