Justiça demora em média 768 dias para julgar casos de violência doméstica em Campinas


Entre casos de feminicídio, processos também chegam a esperar mais de um ano para serem julgados. Questionado, TJSP diz que a comarca ganhará segunda vara especializada ainda neste semestre. Violência doméstica
Nadine
Os processos de violência doméstica analisados ao longo de 2024 pelo Tribunal de Justiça em Campinas (SP) levaram, em média, 768 dias para ter o primeiro julgamento – o que equivale a 2 anos e 1 mês. É o que mostram dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O número, que corresponde ao total de dias decorridos entre o início da ação judicial e a data do julgamento em primeira instância (sem contar recursos), aponta um aumento de 14,6% em relação a 2023 . No ano passado a vara especializada recebeu 3.929 novas ações, mas julgou apenas 154.
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Entre os processos de feminicídio – assassinato que envolve violência doméstica, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima –, o tempo até o primeiro julgamento é menor, mas também passa de um ano. Em 2024 foram 373 dias em média.
Os índices registrados na metrópole em 2024 são piores que as médias nacionais e estaduais e, segundo especialistas ouvidas pela reportagem, a lentidão do sistema judiciário pode levar à sensação de impunidade e resultar em novas violências.
Em todo o Brasil, os casos de violência doméstica levaram 479 dias até o primeiro julgamento, enquanto os de feminicídio esperaram 307 dias em média.
Considerando apenas o estado de São Paulo, foram 533 dias para os processos de violência doméstica e 148 para os de feminicídio.
“A mulher vítima de violência já está vulnerável. O agressor vê que não vai acontecer nada, pensa: ‘eu posso fazer o que eu quiser’ […] Então a demora no processo de violência doméstica certamente coloca a mulher num risco maior”, comenta a advogada Luanna Lance, especialista em direito penal e criminologia, conselheira estadual da OAB-SP.
Questionado sobre a demora no julgamento dos processos, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) informou ao g1 que “há um crescimento gradativo de processos dessa natureza em todas as comarcas” e que, ainda no primeiro semestre, instalará a 2ª Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Campinas (leia a nota completa abaixo).
Mais de dois anos até o julgamento
Somando as médias dos últimos cinco anos, o tempo para julgamento dos casos de violência doméstica na metrópole é de 840 dias. O pior índice foi registrado em 2021, em meio à pandemia da Covid-19. Naquele período, os processos esperaram quase três anos até a primeira audiência.

Já o menor tempo foi observado no ano retrasado, quando houve queda de 26,2% no tempo em relação a 2022. O número voltou a crescer em 2024, indicando que os processos que tramitam em Campinas chegam a esperar mais de dois anos até a apreciação do juiz, conforme o levantamento.
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Nos casos de feminicídio, a média de dias entre o início da ação e o primeiro julgamento caiu em 2024. Foram 50,2% a menos em comparação ao ano anterior. Apesar disso, o índice ainda está atrás de 2020, no qual esse período foi de 211 – único em que o tempo de espera foi inferior a um ano.

Demora pode levar a novas violações
A advogada Luanna Lance, da OAB Campinas, diz que a demora no julgamento desses e outros casos criminais está ligada à sobrecarga do sistema judiciário como um todo. Para ela, o número de varas especializadas no país é insuficiente e isso atrasa a tramitação em meio à alta demanda.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, em todo o Brasil são 153 varas exclusivas para casos de violência doméstica e contra a família, sendo que 18 delas ficam em São Paulo. Na metrópole, atualmente, há apenas uma.
“A maioria das cidades nem tem uma vara especializada em violência doméstica, então a gente ainda tem que entender que estamos no lucro. Nós temos toda uma falha do sistema, que está sobrecarregado, falta juiz, as perícias demoram”, comenta.
O maior problema, para ela, é que essa morosidade pode colocar essas mulheres em risco. Impune, o agressor pode insistir na violência e o resultado desse cenário pode ser fatal. A advogada defende que se o processo fosse mais rápido e tivesse consequências mais imediatas, o fim da violação poderia ser mais assertivo.
“A demora no processo de violência doméstica certamente coloca a mulher num risco maior, primeiro porque ela teve a coragem de denunciar, e aí daí em diante, tem uma protetiva, mas quantos casos a gente ouve que a protetiva acaba não privando a mulher de sofrer uma agressão ou até de ser vítima de um feminicídio?”.
“O judiciário precisa ser desafogado em todos os setores, mas eu acho que na violência contra a mulher, precisa de mais agilidade”.
Processo de cura também é afetado
Luanna reforça que as mulheres vítimas de violência precisam de um atendimento diferenciado e que isso deve ser lembrado desde o registro do boletim de ocorrência até o processo judicial. Um dos objetivos disso é evitar a revitimização sempre que a mulher precisar recontar sua história.
“Todas as vezes que ela conta a história dela, ela tem uma dor. Então, o quanto antes isso acontece [a audiência], antes ela consegue se curar”.
“A gente está falando de uma mulher que sofreu uma violência hoje e aí ela vai lá, ela faz o boletim de ocorrência, conta a história dela. Daqui dois anos, ela tem que passar por tudo isso de novo. E contar isso diante de um juiz, contar isso diante de um promotor”.
Camila Busnardo que é escrivã da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Americana (SP) e autora de uma dissertação de mestrado que evidencia como a narrativa do boletim de ocorrência pode influenciar o processo judicial, reforça essa problemática.
“Às vezes a mulher já registrou uma ocorrência, solicitou medida protetiva, mas acaba reatando o relacionamento porque não consegue sair desse ciclo […]. Às vezes, já começou um processo criminal contra o acusado, mas ao longo do processo ela volta com o agressor”, detalha.
Por isso, além da celeridade processual, Camila endossa a necessidade de uma rede multidisciplinar que oriente e conscientize sobre o combate à violência doméstica e que ajude a vítima a se manter na busca por Justiça a partir do primeiro pedido de ajuda.
“Tem a questão emocional, tem uma questão de dependência financeira. Então, geralmente, as mulheres acabam permanecendo nessa situação de vulnerabilidade porque não têm autossuficiência […] Então, toda essa rede sócio-assistencial serve para isso, para divulgar informação, orientação”.
“O importante é que ela seja sabedora, conhecedora dos seus direitos. Só o fato de ela tomar consciência que aquele tipo de relacionamento não é saudável e que ela não precisa se sujeitar a episódios de violência, já é essencial. Porque daí, às vezes, ela já vai de alguma maneira tentar encerrar aquele tipo de relacionamento.”.
O que diz o Tribunal de Justiça
Sobre o tempo de tramitação dos processos, o TJSP informou em nota que “é essencial ressaltar que cada caso possui suas particularidades, que influenciam diretamente em sua duração, especialmente devido à necessidade de produção de provas e à complexidade das investigações”.
“A análise criteriosa de cada situação é imprescindível para assegurar o respeito ao devido processo legal e a efetividade das decisões judiciais”, pontuou.
Disse ainda que “há um crescimento gradativo de processos dessa natureza em todas as comarcas, o que também reflete no aumento significativo na concessão de medidas protetivas, conforme evidenciado no Painel da Proteção, e demonstra o compromisso da Justiça com o tema”.
Como denunciar casos de violência doméstica em Campinas
Denúncias de violência contra a mulher podem ser feitas pelo telefone 190, da Polícia Militar, ou pelo 180, na Central de Atendimento à Mulher.
Para atendimento presencial, a vítima pode recorrer às Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) do município:
1ª DDM: Avenida Doutor Antônio Carlos Sáles Júnior, 310, Jardim Proença I – funcionamento das 9h às 17h.
2ª DDM: Rua Ferdinando Panattoni, 590, no Jardim Pauliceia – funcionamento 24 horas.
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