
Pesquisa foi realizada pelo TCE-PR, que observou problemas de organização das cidades quanto ao tema. Com resultados, órgão planeja auditorias em municípios que tem altos índices de violência. Auditora do TCE explica o que será feito com os dados obtidos no levantamento
Mais 90% das cidades do Paraná não possuem planos municipais de direito das mulheres.
O número, revelado em um levantamento feito pelo Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR), demonstra que, atualmente, 344 cidades não tem planos próprios para trabalhar, por exemplo, a emancipação financeira de mulheres, além de outras questões que podem colaborar com a busca pela equidade de gênero.
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Para chegar ao resultado, um questionário abordou temas relacionados à gestão, assistência social, educação, saúde, segurança e trabalho. A pesquisa foi enviada aos 399 municípios do Paraná e, segundo o TCE, 381 cidades responderam.
Um dos pontos mais críticos observados, de acordo com o levantamento, foi em relação ao incentivo ao emprego. Conforme a pesquisa, 90,55% das cidades que responderam que não possuem programas específicos para a inclusão de vítimas em situação de violência doméstica ou sexual no mercado de trabalho.
De acordo com o levantamento feito pelo TCE, 37 cidades paranaenses possuem planos, que estabelecem princípios, diretrizes, objetivos e metas de políticas públicas.
Veja quais são as cidades com planos estruturados, conforme o relatório:
Planos municipais de direito das mulheres no Paraná.
Arte/RPC
📍 Cidades com plano:
Apucarana, Barbosa Ferraz, Bom Sucesso do Sul, Borrazópolis, Campina da Lagoa, Cianorte, Campo Mourão, Candói, Corumbataí do Sul, Cruzmaltina, Curitiba, Douradina, Faxinal, Fernandes Pinheiro, Guarapuava, Ibema, Inácio Martins, Irati, Itapejara d’Oeste, Ivaiporã, Jacarezinho, Japira, Japurá, Loanda, Londrina, Mandaguari, Nova Tebas, Novo Itacolomi, Paranavaí,Pinhais, Quatro Barras, Quitandinha, Rebouças, Reserva, São João do Ivaí, Turvo e Vitorino.
A auditora de controle externo do TCE, Camila Ribeiro Félix, explica que o levantamento surgiu da necessidade de trabalhar o olhar para a vítima e o fortalecimento das mulheres junto aos municípios.
“Pela complexidade do assunto, antes de fazer uma auditoria, a gente optou por fazer um levantamento e com ele nós entendemos que existe um problema de organização estrutural em todas as áreas abordadas e a melhor forma de ação seria atacar um instrumento que é base para essa política, que seriam os planos”, explicou Camila ao g1.
Conforme a presidente da comissão da mulher advogada da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Maringá, Rita Augusta Valim Rossi, os planos municipais são essenciais para garantir que as políticas públicas atendam às necessidades específicas das mulheres.
Ela explica que eles funcionam como um guia para a implementação de ações que promovam a igualdade de gênero, a proteção contra a violência e o empoderamento feminino e envolvem diversos setores da sociedade, assegurando que as vozes das mulheres sejam ouvidas e consideradas nas decisões políticas.
Conforme dados obtidos junto a Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica (Cevid) do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), em 2024 foram registrados 312 casos de feminicídio no Paraná. Para evitar estes casos, a advogada explica que os planos podem ajudar a interromper o ciclo da violência com ações integradas.
“É necessário um letramento de gênero visando a equidade de gênero, combate a violência contra a mulheres. Isso inclui a criação de serviços de apoio, como abrigos, atendimento psicológico e jurídico, além de campanhas de conscientização e educação sobre igualdade de gênero. Esse plano deve também envolver o setor privado, pois um ambiente de trabalho mais inclusivo e respeitoso com as mulheres irá refletir positivamente na sociedade”, explicou Rossi.
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Políticas públicas em prática
Em Londrina, o plano municipal para mulheres existe desde 2011. No momento, a cidade está com a terceira edição vigente, que valerá até 2026.
A secretária de políticas para as mulheres, Marisol Chiesa, diz que entre as ações definidas no plano está a capacitação para o trabalho e a geração de renda. Atualmente, a cidade possui o Centro de Oficinas para Mulheres (COM) e também tem uma parceria firmada com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac).
“A independência financeira é algo muito importante, pois a partir do momento em que ela consegue estar no mercado de trabalho ou empreendendo, certamente ela será mais forte, vai estar mais confiante e mais fortalecida”, comentou a secretária.
Chiesa afirma que os cursos são oferecidos durante o ano todo e mulheres acima de 18 anos podem participar. Neste ano, mais de 30 capacitações nas áreas da beleza e culinária serão oferecidas gratuitamente pelo município.
A secretária explica que, após o curso, as mulheres são direcionadas para vagas de trabalho disponibilizadas pelo Serviço Nacional do Emprego (Sine).
Para aquelas que desejam abrir o próprio negócio, Chiesa afirma que o município também oferece incentivos, como orientação para formalizar e regularizar a empresa, orientação da emissão da guia de Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS), declaração anual de micro-empreendedor individual (MEI) e capacitações sobre gestão.
Há, ainda, o Centro de Atendimento a Mulher (CAM), que funciona como uma rede apoio onde as mulheres podem ser acolhidas e orientadas. Uma vítima de violência que passou pelo Centro em 2022 contou que, após ser acolhida pelo projeto, fez um curso de cuidadora de idosos e conseguiu romper o ciclo de dependência econômica que tinha do companheiro.
Vi outras pessoas e outro mundo lá fora. Não é aquilo que eu via dentro de casa. Eu ouvia tanto que eu não conseguia fazer nada que acabei acreditando. Agora vejo que eu posso. Tenho meu valor, meu lugar no mundo e estou indo rumo ao meu sonho de ser uma profissional e ter minha independência.
CAM em Londrina funciona como uma rede apoio onde as mulheres podem ser acolhidas e orientadas.
Vivian Honorato/Prefeitura de Londrina
Em Paranavaí, o primeiro plano da cidade foi aprovado em março deste ano. De acordo com a vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres, Rosi Sanga, o documento começou a ser planejado a partir da aprovação da legislação do Fundo Municipal dos Direitos da Mulher.
Em seguida foram realizadas escutas e uma audiência pública com a sociedade civil e redes de atendimento. O plano foi aprovado, entrou em vigor 2025 e ficará ativo até 2028.
Não ter Plano Municipal de Políticas para as Mulheres, no entanto, não significa que a cidade não tenha iniciativas voltadas à causa. Maringá é um exemplo.
A prefeitura, por meio da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres, oferta gratuitamente cursos de qualificação, profissionalizantes e faz encaminhamentos para vagas de emprego. Ao mesmo tempo, a cidade ainda está na fase de discussão do plano.
A expectativa da prefeitura é que o documento seja formalizado após a eleição e posse do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres para a gestão 2025/2027, que ocorrerá em 24 de abril. A previsão é de o plano seja aprovado na Conferência Municipal, em junho.
Planos podem auxiliar a combater feminicídios e violência doméstica
Em 2024, Paraná registrou 312 casos de feminicídio.
Marcelo Camargo/Agência Brasil
A advogada Rita Rossi explica que as situações abusivas muitas vezes se estendem pela dependência financeira do agressor.
Por isso, a especialista considera que o acesso ao emprego é fundamental para as mulheres vítimas de violência, pois proporciona autonomia financeira e a capacidade de sustentar elas próprias e os filhos. Estas políticas podem evitar, entre outras violências, o feminicídio.
“É fundamental ter que a mulher vítima de violência tenha autonomia financeira. Quando têm recursos próprios, elas podem planejar sua saída de uma relação abusiva, buscar abrigo, assistência legal e apoio psicológico, sem medo de que ela e seus filhos passem necessidade”, explicou Rossi.
Dados obtidos junto a Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica (Cevid) do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), mostram que o número de feminicídios registrados no estado cresceu 63,3% nos últimos quatro anos.
Em 2024, foram 312 casos registrados. Em 2023, foram 258. Em 2022 e 2021, foram 202 e 191 registros, respectivamente.
Os casos de violência doméstica também cresceram, conforme a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp-PR). O número saltou de 66.151 casos em 2021 para 82.875 em 2024 – um aumento de 25%.
Também houve crescimento de 50% pedidos de medidas protetivas de urgência. De acordo com o TJ-PR, foram feitas 40.046 solicitações em 2021 e 60.197 em 2024.
No gráfico abaixo, é possível perceber que o aumento de casos de violência doméstica e dos pedidos de medidas protetivas seguiu a mesma tendência, registrando um salto entre 2022 e 2023.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Estado (Sesp) afirma que os dados refletem o aumento das investigações e da repressão qualificada. Diz, também, que para enfrentar os feminicídios de maneira mais assertiva, a secretaria implementou uma operação especial chamada Mulher Segura que está funcionando nos 399 municípios.
De acordo com a pasta, o conjunto de ações contempla aumento do policiamento, palestras comunitárias sobre a importância da denúncia, oficinas de defesa pessoal, primeiros socorros e rodas de conversas para conscientização de homens sobre o combate à violência doméstica.
Auditorias nos municípios
Com os resultados da pesquisa do TCE, a auditora Camila Félix explica que, a partir deste ano, os municípios com altos índices de violência passarão por auditorias, onde serão verificados detalhes das eventuais políticas públicas em funcionamento nas cidades.
“Inverter o cenário não depende só do TCE. Nós conseguimos ver que o estado tem um comitê interdisciplinar de enfretamento a violência contra mulher que abrange varias áreas e todos estão unidos para fazer planos e ações em prol desse enfrentamento. É um trabalho de formiguinha, mas todos os órgãos e a sociedade tem que colaborar para a postura e a cultura, para que as próximas gerações não perpetuem essas violências”, finalizou Camila.
Confira outros resultados coletados durante o levantamento:
➡️ Assistência social
64,83% dos municípios disseram que não possuem abrigamento temporário para mulheres em situação de violência que se encontram sob ameaça ou precisam de proteção urgente;
➡️ Gestão
82,15% dos municípios disseram que não possuem unidade especializada responsável pela gestão e articulação de políticas públicas voltadas à garantia dos direitos das mulheres;
➡️ Educação
60,10% dos municípios disseram que não possuem planejamento anual de atividades voltadas aos direitos da mulher para alunos dos anos iniciais do ensino fundamental.
➡️ Saúde
75,07% dos municípios disseram que não possuem espaço reservado em instalações de saúde para acolhimento e atendimento de vítimas de violência doméstica;
80,05% dos municípios disseram que não possuem equipe especializada em atendimento a mulheres em situação de violência sexual;
80,58% dos municípios disseram que não possuem equipe especializada em atendimento a mulheres em situação de violência doméstica;
97,11% dos municípios disseram que possuem ambulatório especializado para violência sexual;
➡️ Segurança
67,72% dos municípios disseram que não contam com a presença da Patrulha Maria da Penha.
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