As 500 mil armas dos EUA que caíram nas mãos do Talibã e outros grupos extremistas


Meio milhão de armas americanas obtidas pelo Talibã foram perdidas, vendidas ou contrabandeadas para outros grupos, de acordo com fontes. Soldados do exército talibã em 2024
Getty Images via BBC
Meio milhão de armas que caíram nas mãos do Talibã no Afeganistão foram perdidas, vendidas ou contrabandeadas para outros grupos, disseram fontes à BBC. A ONU acredita que algumas delas foram parar nas mãos de grupos afiliados à Al-Qaeda.
O Talibã assumiu o controle de cerca de um milhão de armas e equipamentos militares, a maioria financiada pelos Estados Unidos, quando retomou o controle do Afeganistão em 2021, de acordo com um ex-oficial afegão que falou sob anonimato à BBC.
O montante incluiu armas de fogo fabricadas nos EUA, como os fuzis M4 e M16, bem como outras armas antigas em posse dos afegãos, abandonadas após décadas de conflito.
A maioria foi fornecida ao antigo governo afegão. Quando o Talibã avançou pelo país, há quatro anos, muitos soldados afegãos se renderam ou fugiram, abandonando suas armas e veículos.
Outros equipamentos foram simplesmente abandonados pelas forças dos EUA. Atualmente, pelo menos metade desses equipamentos está “desaparecida”, como o Talibã admitiu ao Comitê de Sanções do Conselho de Segurança da ONU em Doha, no final do ano passado.
Um membro do comitê afirmou ter verificado com outras fontes o paradeiro de meio milhão de itens.
Em um relatório de fevereiro, a ONU declarou que organizações afiliadas à Al-Qaeda, como o Tehreek-e-Taliban Pakistan, o Movimento Islâmico do Uzbequistão, o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental e o movimento Ansarullah do Iêmen, tinham acesso a armas capturadas pelo Talibã ou as compravam no mercado negro.
Em resposta, Hamdullah Fitrat, porta-voz adjunto do governo talibã, disse à BBC que Cabul leva muito a sério a proteção e o armazenamento de armas, afirmando:
“Todas as armas leves e pesadas são armazenadas com segurança. Rejeitamos categoricamente as alegações de contrabando ou perda.”
Um relatório da ONU de 2023 indicou que o Talibã permitiu que os comandantes locais ficassem com 20% das armas apreendidas dos EUA e que, como resultado, o mercado negro floresceu. Esses comandantes são afiliados ao Talibã, mas geralmente gozam de um certo grau de autonomia em suas regiões.
A ONU observou que a troca de armas é uma prática generalizada entre comandantes e combatentes locais para consolidar o poder. O mercado negro continua sendo uma rica fonte de armas para o Talibã.
Um jornalista especializado em Kandahar disse à BBC que havia um mercado aberto de armas no local durante um ano após a tomada do poder pelo Talibã, mas que agora ele se tornou clandestino e é operado via WhatsApp.
Indivíduos ricos e comandantes locais trocam armas e equipamentos americanos novos e usados, principalmente armas deixadas para trás pelas forças apoiadas pelos EUA.
Problemas com o rastreamento de equipamentos
O número de armas registrado pelo Inspetor Geral Especial dos EUA para a Reconstrução do Afeganistão (SIGAR) é menor do que o citado por nossas fontes, mas em um relatório de 2022 ele reconheceu que não conseguiu obter informações precisas.
O equipamento foi financiado e fornecido por vários departamentos e organizações dos EUA ao longo dos anos. Sigar acrescentou que, por mais de uma década, houve deficiências e problemas com os processos do Departamento de Defesa para o rastreamento de equipamentos no Afeganistão.
Sigar também criticou o Departamento de Estado, dizendo que ele “forneceu informações limitadas, imprecisas e inoportunas sobre os equipamentos e fundos deixados para trás”.
O Departamento de Estado negou que esse fosse o caso.
Essa é uma questão eminentemente política, e o presidente Donald Trump tem afirmado repetidamente que retirará as armas do Afeganistão. Ele afirmou que US$ 85 bilhões em armamentos avançados foram deixados lá.
“O Afeganistão é um dos maiores vendedores de equipamentos militares do mundo, sabe por quê? Eles estão vendendo o equipamento que deixamos para trás”, declarou Trump durante a primeira reunião de gabinete de seu novo governo.
“Quero dar uma olhada nisso. Se tivermos que pagar a eles, tudo bem, mas queremos nosso equipamento militar de volta”, acrescentou.
A cifra de Trump foi questionada, pois o dinheiro gasto no Afeganistão também financiou treinamento e salários. Além disso, o Afeganistão não estava entre os 25 principais exportadores de armas pesadas do Stockholm International Peace Research Institute no ano passado.
Em resposta aos comentários de Trump, Zabihullah Mujahid, porta-voz-chefe do Talibã, disse à televisão estatal afegã:
“Nós tomamos essas armas do governo anterior e as usaremos para defender o país e combater qualquer ameaça”.
O Talibã exibe regularmente armas dos EUA, inclusive no campo de aviação de Bagram, que serviu como a principal base dos EUA e da OTAN, e as apresenta como símbolos de vitória e legitimidade.
Humvees e helicópteros Black Hawk
Após sua retirada em 2021, o Pentágono alegou que o equipamento dos EUA deixado no Afeganistão havia sido inutilizado, mas o Talibã construiu um exército capaz usando armas dos EUA e ganhou superioridade sobre grupos rivais, como a Frente de Resistência Nacional e a província de Khorasan do Estado Islâmico, a afiliada regional do grupo Estado Islâmico.
Uma antiga fonte do governo afegão disse à BBC que centenas de Humvees, MRAPs (Mine-Resistant Ambush Protected Vehicles, veículos protegidos contra emboscadas resistentes a minas) e helicópteros Black Hawk não utilizados permanecem em armazéns em Kandahar.
O Talibã exibiu em vídeos de propaganda alguns desses equipamentos capturados, mas sua capacidade de operar e manter máquinas avançadas, como os helicópteros Black Hawk, é limitada devido à falta de pessoal treinado e de conhecimento técnico. Grande parte desses equipamentos sofisticados continua inoperante.
No entanto, o Talibã conseguiu usar equipamentos mais simples, como Humvees e armas de pequeno porte, em suas operações.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.