Crédito de carbono no Pará: ‘COP do Povo’ se manifesta contra venda bilionária a coalização internacional


Anúncio de venda do Pará a governos internacionais e empresas multinacionais foi feito pelo governador Helder Barbalho e virou alvo de críticas de organizações da sociedade civil, além de o MP pedir anulação. Governo diz que ainda vai realizar consultas. Governador do Pará, Helder Barbalho anuncia venda bilionária de crédito de carbono em contrato com coalização internacional.
Reprodução / TV Globo
A “COP do Povo”, organização da sociedade civil que envolve 20 instituições, divulgou uma carta nesta quinta-feira (17) se manifestando contra o contrato bilionário de crédito de carbono, anunciado pelo governador Helder Barbalho (MDB) e que os ministérios Público Federal (MPF) e do Pará (MPPA) pediram a anulação urgente.
A venda foi anunciada pelo governador em setembro de 2024 durante a Semana do Clima de Nova York.
🌳 Segundo Barbalho, a venda será concretizada com doze milhões de toneladas de crédito de carbono, a 15 dólares cada, equivalente a R$ 1 bilhão em uma única venda para uma coalização global, de parceria público-privada, que inclui governos internacionais e corporações multinacionais.
Segundo as organizações da sociedade civil, “o contrato transforma florestas do Pará em objeto de especulação financeira” – entenda mais a seguir.
O g1 procurou a Coalização Leaf, parte do contrato anunciado pelo governo, mas não havia obtido resposta até a publicação da reportagem.
👉🏽 Nesta reportagem sobre a venda bilionária de crédito de carbono no Pará, você vai entender o que dizem organizações da sociedade civil – a “COP do Povo”; o governo, sobre o projeto piloto apresentado na COP 29; e a empresa que vai restaurar uma floresta para que créditos sejam comercializados pelo Estado.
Geração bilionária de carbono no PA
Anfitrião da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Conferência das Partes), a COP 30, o Pará vem apostando em políticas ambientais inéditas no Brasil, como a concessão florestal para geração de crédito de carbono. São projetos pilotos, apresentados inclusive a nível internacional.
Um edital concedeu à iniciativa privada uma área equivalente a 10 mil campos de futebol, dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu – que já esteve entre as mais desmatadas do país. O anúncio foi feito em novembro de 2024 no Azerbaijão durante a COP 29.
Governo do Pará concede à iniciativa privada gestão da Unidade de Recuperação Triunfo do Xingu, em Altamira
Bruno Cecim/Agência Pará
O objetivo, segundo o governo, é que a área degradada passe por restauração ecológica. Depois, este terreno reflorestado pode ser usado para exploração de crédito de carbono.
🔎 O investimento nessa concessão florestal é de cerca de R$ 258 milhões para implantação e gestão da área a ser recuperada. A expectativa é que em quatro décadas seja possível “sequestrar” 3,7 milhões de toneladas de carbono. Cada unidade de crédito de carbono equivale a uma tonelada de gás carbônico.
🌳No Brasil, a lei que regulamenta o mercado nacional de carbono foi sancionada pelo presidente Lula em dezembro de 2024. Este mercado é uma forma de diferentes setores e empresas compensarem parte das emissões de gás carbônico, o CO2, um dos causadores do aquecimento global.
A empresa que venceu a concessão, a Systemica, vai atuar por 40 anos no reflorestamento da unidade que já foi degradada pela exploração de gado ilegal, entre outras atividades.
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O diz a ‘COP do Povo’
Em carta, organizações indígenas, quilombolas, ribeirinhas, camponesas, extrativistas e pesqueiras, incluindo também entidades como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Sociedade Paraense dos Direitos Humanos (SDDH), fazem críticas ao contrato entre o Estado do Pará e a Coalizão LEAF, publicado no último dia 11 de abril.
A coalização internacional é formada pelos governos dos Estados Unidos, Reino Unido, Noruega, República da Coreia e corporações como a Amazon, Bayer, BCG, Capgemini, H&M Group e Fundação Walmart, entre outras.
🔎 A negociação internacional, apontam as organizações, descumpre a Lei nº 15.042/2024, que regula o comércio de emissões de gases de efeito estufa no Brasil. Essa lei, também citada pelos MPs, proíbe a venda antecipada de créditos.
“(…) o contrato transforma as florestas do Pará em objeto de especulação financeira, aumentando as desigualdades sociais ao favorecer interesses econômicos em vez da população”, diz a carta.
As organizações também chamam atenção pela medida adotada pelo governador, afirmando que “em vez de priorizar os fundos públicos já existentes para ações ambientais optou por criar a Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará (CAAPP)”.
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A carta descreve a CAAPP como “uma sociedade anônima que centraliza a gestão dos créditos de carbono sem ampla discussão pública, sem concurso público e com pouca participação da sociedade civil, abrindo espaço para parcerias com grandes capitais privados”.
“Isso representa a forte tendência à privatização das florestas públicas e coletivas do Pará sob a justificativa das mudanças climáticas, em um processo que desconsidera o direito à consulta e consentimento prévio”.
O documento exige a revogação da criação da CAAPP e a substituição por “dispositivos que fortaleçam as instituições públicas estaduais e seus servidores”. O grupo também reivindica “a criação de um grupo de trabalho plural que estabeleça o Custo Social do Carbono no Pará, assegurando que as políticas climáticas reflitam os impactos sociais e econômicos”.
Já o governo afirma que, em breve, ainda vai iniciar as consultas junto a comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas sobre o sistema de venda de crédito de carbono.
O que diz o governo
Em nota, o governo se manifestou por meio da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) que informou que “o contrato firmado é um pré-acordo que define condições comerciais futuras, sem realizar transação efetiva ou gerar obrigação de compra antes da verificação das emissões, estando dentro da legalidade”.
Ainda segundo a Semas, o contrato “não fere a Lei nº 15.042/2024 e nem o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE)”.
“Cláusulas do contrato estabelecem expressa e estritamente que a venda está condicionada à verificação das reduções de emissões. Até que isso ocorra, não há obrigação financeira entre as partes, o que afasta a configuração de venda antecipada, vedada pela lei. A venda só será concluída caso os créditos sejam devidamente emitidos após a verificação de resultados”, explicou.
O governo disse ainda que “a possibilidade de revenda dos créditos, apontada pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Estado, não está prevista no contrato”.
Por fim, o governo esclareceu que está na fase de construção do Sistema Jurisdicional de REDD+ do Pará, o que ocorre em formato de pilotos, com a devida transparência e inclusive já disponibiliza diversos itens da recomendação no Portal de REDD+ (www.semas.pa.gov.br/redd).
O que diz a empresa que fará restauração florestal
Vencedora da concessão, sem concorrência, a Systemica disse que a situação do contrato para venda de crédito de carbono para coalização internacional não irá afetar o trabalho sobre a concessão.
“A recomendação do MPF e MPPA é específica sobre o contrato de compra e venda de créditos de carbono feitas pela CAAPP e grupo de empresas privadas, no âmbito do sistema jurisdicional de REDD+ do Estado do Pará. Ou seja, é uma relação diferente e um ativo diferente, não havendo relação com a concessão ou com os trabalhos e ativos que venham a ser gerados pela concessão”, afirmou.
Ainda segundo a empresa, “o assunto é decorrente de uma norma legal muito recente, e que precisa ser melhor entendido tecnicamente pelos agentes e entidades públicas” e que “certamente o entendimento será amadurecido ao longo do tempo”.
Ainda segundo a Systemica, “muitos setores e instituições o assunto ‘mercado de carbono e suas diferentes modalidades, metodologias e ativos’ ainda precisa ser melhor entendido tecnicamente.
A empresa, que vai realizar a restauração da área no Pará, afirmou também que “há uma permissão para a celebração de contratos que tenham como objeto condições comerciais para a venda de créditos de carbono gerados a partir da verificação de resultados obtidos”.
“Ou seja, é possível entender que a venda antecipada de ativos ainda não certificados é vedada, mas a celebração de um contrato para estabelecimento das condições comerciais de venda futura dos créditos de carbono é perfeitamente possível”.
De acordo com a Systemica, “caso a CAAPP tenha realizado um contrato para estabelecimento das condições comerciais para uma entrega futura dos ativos que forem certificado, entendemos que a relação jurídica realizada, neste quesito, pode ter atendido os requisitos legais”.
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