
Levantamento feito pela associação Aliança Bike, com base em pedidos da Lei de Acesso à Informação (LAI) a todas as prefeituras das capitais, entre julho de 2023 e julho de 2024, indicou que o Rio tem 316 km de ciclovias e ciclofaixas, com 5,1 km por habitante. Ciclofaixa na Rua Uruguai, na Tijuca, Zona Norte da cidade, foi demarcada em 2024.
Reprodução Google Maps
A cidade do Rio de Janeiro em apenas 1,9% sua malha cicloviária entre 2023 e 2024. A informação faz parte de um levantamento da Aliança Bike, uma associação de empresários e lojistas do setor, com base em pedidos da Lei de Acesso à Informação (LAI) a todas as prefeituras das capitais do Brasil e do Distrito Federal.
O número deixa o Rio longe de alcançar a meta da Prefeitura de chegar ao total de mil quilômetros de infraestrutura para ciclistas até 2033. Atualmente, o município conta com cerca de 400 km de espaços dedicados a circulação de bicicletas, patinetes e autopropelidos em geral.
Porém, de acordo com o estudo da Aliança Bike, que desconsidera as faixas compartilhadas em calçadas e em vias comuns, o Rio tem apenas com 316 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas.
O diretor executivo da Aliança Bike, Luiz Saldanha, acredita que a infraestrutura atual do Rio é boa, mas entende que o município ainda está longe da meta estabelecida pela prefeitura.
“Tem algumas coisas que podem melhorar, em especial ter uma expansão da malha e contar com uma rede de ciclovias que pegue mais bairros da cidade. Quando você pega a Zona Oeste e a Zona Norte você percebe um grande vazio nessa conexão”, analisou Saldanha.
O g1 questionou a prefeitura sobre questões como o levantamento da Aliança Bike e o projeto de expansão das ciclovias, mas não obteve retorno.
2ª capital que menos cresceu
Os números do levantamento colocam o Rio como a 2ª capital do país que menos aumentou sua infraestrutura, ficando à frente apenas de Salvador, que cresceu 0,64% de sua malha cicloviária. Os números não consideram as seis cidades que não aumentaram sua infraestrutura de ciclovias e ciclofaixas.
A cidade de São Paulo é a capital com a maior infraestrutura cicloviária do país, com 710,9 km. O Distrito Federal aparece em segundo lugar nesse ranking (551,5 km) e Fortaleza (443,1 km) vem na sequência. O Rio (316,5 km) é a quarta capital com maior estrutura.
Maiores redes de ciclovias do país
Aliança Bike / arte g1
6ª pior estrutura proporcional
O número absoluto de ciclovias e ciclofaixas instaladas no Rio de Janeiro deixa a cidade como uma das quatro capitais mais equipadas. Contudo, o mesmo não acontece se a avaliação for proporcional, considerando o número de quilômetros para cada 100 mil habitantes.
Com 6,2 milhões de habitantes, o Rio aparece como a 6ª pior capital do país, com apenas 5,1 km de malha cicloviária para cada 100 mil habitante. O Rio só fica à frente dos municípios: Natal (5), Belo Horizonte (4,9), Macapá (4,06), São Luís (3,8) e Manaus (1,3). Ou seja, o Rio é a 4ª capital em km absolutos, mas a 6ª pior em proporção. A cidade tem mais ciclovias que Salvador, por exemplo, mas oferece menos segurança por habitante.
Top 10 capitais no ranking proporcional de ciclovias:
Palmas, no Tocantins, com 30,7 km para cada 100 mil;
Florianópolis, em Santa Catarina, com 26,4 km para cada 100 mil;
Rio Branco, no Acre, com 20,2 km para cada 100 mil;
Vitória, no Espírito Santo, com 19,5 km para cada 100 mil;
Distrito Federal, com 19,5 km para cada 100 mil;
Fortaleza, no Ceará, com 18,2 km para cada 100 mil;
Aracaju, no Sergipe, com 14,2 km para cada 100 mil;
Salvador, na Bahia, com 12,7 km para cada 100 mil;
João Pessoa, na Paraíba, com 12,5 km para cada 100 mil;
e Campo Grande, no Mato Grosso, com 12,2 km para cada 100 mil.
Orçamento reduzido em 2025
Com um crescimento de apenas 1,9% de sua malha cicloviária entre 2023 e 2024, o município não deve ver números muito melhores em 2025.
Segundo dados do orçamento municipal para o ano de 2025, a prefeitura separou menos de R$ 340 mil para a implantação de nova infraestrutura cicloviária na cidade.
Sem ciclovia ou ciclofaixa, ciclista precisa se arriscar pedalando ao lado dos carros na Rua São Clemente, em Botafogo, na Zona Sul.
Reprodução Google Maps
De acordo com o documento, nem mesmo esse valor é uma certeza de investimento, visto que o orçamento municipal é uma previsão de gastos, mas que pode sofrer alterações antes de serem de fato aplicados.
Foi exatamente isso que aconteceu em 2024. Naquele ano, a administração de Eduardo Paes fez uma previsão inicial de investir quase R$ 7 milhões na construção de novas ciclovias.
Contudo, ao longo do ano, o orçamento foi sendo atualizado e o valor total investido no crescimento da infraestrutura cicloviária do município ficou em R$ 3,8 milhões, um corte de quase 50%.
Para o vereador Pedro Duarte (Novo), o município deveria investir muito mais na reforma e ampliação da estrutura de ciclovias no Rio. O vereador acredita que o valor gasto teria que ser proporcional ao número de usuários de bicicletas e veículos de micromobilidade.
“A gente gasta mais de R$ 1 bilhão todo ano com asfalto. (…) Se 3% das pessoas andam de bicicleta na cidade e a gente gasta 1 bilhão com asfalto, a gente teria que gastar pelo menos R$ 30 milhões por ano com ciclovia”, analisou Duarte.
“Eu não quero tirar dinheiro do asfalto, mas é uma comparação simples. Orçamento tem. Não estou falando que é pra fazer tudo em um ano. Mas a realidade é que não gasta em ciclovias nem 2% do que ela gasta com asfalto”, completou o vereador.
Mesmo com a ciclovia vazia, ciclista prefere se arriscar no meio dos carros.
Raoni Alves / g1 Rio
Apesar do baixo investimento da gestão atual, a sensação de abandono já foi muito pior. Segundo Luiz Saldanha, da Aliança Bike, em 2018, durante o governo de Marcelo Crivella, o orçamento do município para reparo e ampliação da rede de ciclovias foi na casa dos R$ 5 mil.
“Tivemos um hiato de investimento durante o governo do Crivella. Tivemos em 2018 um investimento de R$ 5 mil em ciclovias. Tudo ficou paralisado na época. Eu lembro que estávamos chegando a 450 km de infraestrutura. Mas as vias foram se deteriorando”, lembrou Saldanha.
“O Rio hoje está fazendo um trabalho bem interessante de intervenção urbana de ciclovias e espaços para pedestres”, celebrou o especialista.
CicloRio mal aproveitado
Eduardo Paes reassumiu como prefeito em 2021, logo após a gestão de Crivella. Nos primeiros anos do novo mandato o prefeito mostrou que estava interessado na ampliação da malha cicloviária e chamou especialistas para fazer um levantamento completo do cenário carioca.
Foi assim que nasceu o Plano de Expansão Cicloviária do Rio de Janeiro, projeto conhecido como CicloRio. O estudo que contou com a participação de vários órgãos públicos e da sociedade civil tinha como objetivo mapear a infraestrutura existente e elaborar um programa para o crescimento da malha cicloviária.
Plano de Expansão Cicloviária: no alto, a malha já existente; embaixo, os 1.000 km previstos
Reprodução
Para conseguir o melhor resultado para a cidade, os técnicos identificaram os locais com maior índice de acidentes, onde era necessário aumentar a conexão com outros modais de transporte, a necessidade de construção de bicicletários públicos, entre outros pontos importantes.
O vereador Pedro Duarte contou ao g1 que participou das reuniões e oficinas que foram realizadas para a elaboração do plano. No final, a prefeitura lançou um livro muito elogiado por ciclistas e especialistas em micromobilidade.
Porém, segundo Pedro Duarte, o projeto nunca saiu do papel.
“Foi uma pena, porque foi uma inciativa maravilhosa, mas nunca saiu do papel. O projeto foi muito bem feito até o papel. Depois, nada foi feito. Se a prefeitura fez 2 km desde 2022 foi muito”, analisou o vereador.
O livro CicloRio foi lançado em 2022. No ano seguinte, o poder público anunciou o projeto para construir 600 km de faixas exclusivas para bicicletas em 10 anos.
Para Vivi Zampieri, gestora de Mobilidade Ativa da Comissão de Segurança no Ciclismo do Rio e que participou da elaboração do CicloRio, o projeto deveria ser um plano de longo prazo, sem vínculo com a gestão atual e sim como parte do Plano Diretor do Rio de Janeiro.
“O CicloRio deveria ser considerado um plano de estado e não de governo. O plano de estado perpetua todos os mandatos. Infelizmente estamos gastando muito mais com o atendimento de ciclistas e pedestres que se acidentaram por falta de uma estrutura adequada de ciclovias do que com a ampliação dessa infraestrutura. Só na rede municipal de saúde, temos uma média anual de 800 ciclistas vitimados no trânsito”, comentou Zampieri.
“Falta sinalização e fiscalização. A infraestrutura cicloviária também é utilizada por corredores e pessoas de mobilidade reduzida, a condição das calçadas também é ruim”, avaliou a especialista.
Informações do CicloRio (levantamento de 2022):
Apenas 15,8% dos cariocas reside há menos de 300 metros da malha cicloviária;
a malha cicloviária abrange 29,4% dos empregos, 15,6% das escolas e 20,6% das unidades de saúde;
a integração com o transporte de média e alta capacidade ainda é incipiente, com apenas 127 (44,1%) das 288 estações localizadas em um raio de 300 metros da infraestrutura cicloviária existente;
34,8% das vias com tratamento cicloviário não possuem sinalização de velocidade máxima;
necessidade de recuperação de 23,5 km de faixas compartilhadas na pista;
trechos da infraestrutura existente não atendem às recomendações de largura mínima definidas no Caderno de Encargos para Projetos Cicloviários;
apenas 14% da malha cicloviária do Rio é composta por ciclovias;
6% do total são ciclofaixas;
54% são faixas compartilhadas nas calçadas;
e 26% são faixas compartilhadas nas pistas comuns.
Histórico de construções no Rio
O histórico da construção de ciclovias e ciclofaixas na cidade do Rio de Janeiro teve seu primeiro grande marco no início dos anos 1990, quando a cidade se preparava para sediar a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio 92.
Os projetos de reurbanização da orla trouxeram a infraestrutura cicloviária como uma inovação para dar visibilidade e garantir espaço para a bicicleta nas vias.
Trecho da ciclovia Tim Maia na Avenida Niemeyer foi derrubado por um temporal no Rio
Sergio Moraes/Reuters
Nesse período, a Câmara de Vereadores aprovou a previsão de uma malha cicloviária no Plano Diretor de 1992. O então prefeito Cesar Maia autorizou a implantação de 27 km de ciclovia em todo o projeto Rio-Orla, abrangendo do Leme ao Pontal, passando por Copacabana, Ipanema, Leblon, São Conrado, Barra da Tijuca e Recreio.
Segundo o CicloRio, o crescimento da malha cicloviária foi gradativo. Entre os anos de 1970 e 1990, apenas 2 km de ciclovias foram construídas na cidade. Nas duas décadas seguintes, o Rio ganhou mais 166 km.
O período de maior crescimento até hoje ocorreu entre 2010 e 2020, com a construção de 289,4 km de infraestrutura para ciclistas.
Apesar do Rio ter ultrapassado os 400 km de malha cicloviária, o diretor da FGV Transportes, Marcus Quintella, acredita que o importante para a cidade é garantir conexões entre as ciclovias e as estações de grandes modais de transporte.
“Falta competência (do poder público). Além de tudo, você pode ter 400 ou mil quilómetros, mas sem conexão, sem sinalização, sem educação para o usuário, com buracos, pavimentação ruim, invasão das ciclovias, tudo isso. Se não resolver todos esses problemas não têm como desenvolver um plano de micromobilidade”, avaliou Quintella.
Ciclovia na orla de Ipanema tem boa estrutura para o usuário. Mas patinete estacionado na via indica que falta educação para quem circula pelo local.
Raoni Alves / g1 Rio
Para o professor da FGV, a Prefeitura do Rio precisa avançar muito para que os veículos de micromobilidade possam ser bem aproveitados pelos moradores.
“Como você pode ter uma cultura de micromobolidade se o poder público não tem competência e nem investimento para padronizar as ciclovias e educar a população. Quem vai fiscalizar? Não existe fiscalização”, comentou o diretor.
“Se hoje em dia nem as motos obedecem a semáforos e as mãos das ruas. Os motociclistas não obedecem a nada. Imagina as bicicletas”, finalizou o especialista.