
A partir de um levantamento de entrevistas, pronunciamentos públicos e análises do Vaticano, o g1 elencou os posicionamentos dos dez cardeais que têm mais chance de substituir Francisco.
Quem será o papa que substituirá Francisco? Os dez nomes mais cotados pelos especialistas do Vaticano aproximam-se do seguinte perfil: um homem europeu, branco, com cerca de 71 anos, indicado pelo último pontífice e detentor de uma postura mais introspectiva e discreta quanto a assuntos controversos na Igreja Católica.
Nesta reportagem, o g1 mostra qual é a linha de pensamento de cada um desses dez papáveis em temas delicados para a instituição:
comunhão para divorciados;
aborto;
celibato opcional;
ordenação de mulheres;
bênção para casais do mesmo sexo;
restrição das missas rezadas em latim;
acolhimento de imigrantes.
➡️ Para chegar aos resultados abaixo, a reportagem analisou pronunciamentos públicos dos cardeais, entrevistas com eles e materiais publicados pela imprensa especializada do Vaticano. Nos casos em que nenhum comentário foi encontrado, o g1 classificou que “não há registros”.
Clique nos nomes para navegar pelos perfis de cada um:
Jean-Marc Aveline (França)
Peter Erdo (Hungria)
Mario Grech (Malta)
Juan Jose Omella (Espanha)
Pietro Parolin (Itália)
Luis Antonio Gokim Tagle (Filipinas)
Joseph Tobin (EUA)
Peter Kodwo Appiah Turkson (Gana)
Matteo Maria Zuppi (Itália)
Antes de conferir os detalhes de cada um desses papáveis, é importante ter em vista três fatores:
O nome escolhido pode surpreender e não estar entre os 10 cotados pelos especialistas. O próprio Francisco, em 2013, não era considerado um nome forte para assumir o cargo.
A principal explicação para isso é que a maioria dos cardeais votantes não se conhece — com exceção dos que já têm algum cargo no Vaticano, o restante não faz ideia do trabalho feito pelo seu colega em outro país. Por isso, o momento do conclave em que os 133 membros podem se pronunciar é tão decisivo: será a oportunidade de cada um mostrar que tem a capacidade de responder aos desafios atuais da Igreja.
Os posicionamentos ideológicos podem pautar a conduta da instituição nos próximos anos, mas não devem ter grande peso na decisão tomada pelos cardeais.
Na opinião de especialistas ouvidos pelo g1, a tendência é que outros aspectos sejam priorizados, como:
➡️Abertura ou resistência a riscos: cardeais mais prudentes, que promovam uma continuidade ao que estava sendo feito por Francisco, devem levar vantagem.
➡️Espiritualidade: tem maior chance aquele candidato que demonstra ser mais espiritualizado e menos “mundano”.
➡️Transparência: provavelmente, aqui há um consenso, e todos devem defender decisões mais claras e abertas dentro da instituição.
“Existe uma polarização: um grupo vai querer radicalizar e acelerar as propostas de Francisco, enquanto outro desejará um retrocesso do que foi decidido pelo último papa. Mas esses extremos não têm força para decidir o resultado. São grupos minoritários”, afirma Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo especialista em religião e ex-coordenador do departamento de fé e cultura da PUC-SP.
“Ninguém vai querer inventar a roda nem promover mudanças radicais. Por isso, as diferenças entre progressistas e conservadores pouco importarão.”
O infográfico menciona a nacionalidade dos papáveis, mas a votação não pode ser encarada como uma disputa de países em uma Copa do Mundo, explica o historiador Gian Luca Potestà, professor da Universidade Católica de Sacro Cuore, em Milão.
Diante de um conclave mais diverso do que o de 2013 — com um aumento na representação de nações da África, da América Latina, da Ásia e da Oceania —, é natural que surja a questão: será que teremos, mais uma vez, um papa de fora da Europa?
“A Europa está muito sub-representada em relação ao passado, com algumas ausências que saltam aos olhos [como Áustria e Irlanda]. Mas o critério nacional não é decisivo para a orientação do voto”, afirma Potestà.
Veja como pensa cada um dos 10 papáveis mais cotados:
✝️Jean-Marc Avelin
Ficha de Jean-Marc Aveline
Arte/g1
Mostrou-se contrário à decisão da Igreja de dar a bênção a casais do mesmo sexo.
À época, Aveline foi um dos responsáveis por um comunicado feito pela conferência de bispos na França, pedindo que fosse mantida apenas a bênção para pessoas gays “isoladamente”, e não para casais homossexuais.
Em 2024, durante uma missa, ele comparou o aborto a crimes como tráfico de drogas.
✝️Peter Erdő
Ficha de Péter Erdó´
Arte/g1
O cardeal posicionou-se contra dois dos avanços recentes da Igreja, sob a liderança do Papa Francisco:
O primeiro ponto é a comunhão para divorciados, determinada pelo Vaticano em 2023. Em uma entrevista para a mídia católica local, ele reforçou que católicos recasados no civil só poderiam receber a comunhão (ritual que representa o Corpo e o Sangue de Cristo) se não tiverem vida sexual ativa.
A segunda questão foi a bênção para casais do mesmo sexo. Poucos dias depois de a Igreja tomar essa decisão, Erdő não fez referência direta e explícita ao tema, mas afirmou o seguinte:
“Se somos cristãos, não devemos apenas seguir uma filosofia piedosa e filantrópica, talvez com conteúdo que muda a cada década de acordo com a moda ou o gosto da maioria, mas, sim, lembrar que os ensinamentos, a vida, a morte e a ressurreição de Jesus são o padrão eterno”.
Sobre o aborto, ele se posiciona contra, mas cita uma abertura da Igreja àquelas mulheres que se arrependem de ter cometido esse “erro”.
✝️Mario Grech
Ficha de Mario Grech
Arte/g1
O cardeal foi a favor da bênção para casais do mesmo sexo, um avanço para o público católico LGBTQIAP+ na gestão do Papa Francisco. Em entrevista a um jornal local, disse que a repercussão contra a decisão do Vaticano era “uma tempestade em copo d’água”.
Grech também é progressista em um assunto que ainda gera debate entre os cardeais: a ordenação de mulheres na Igreja Católica. Francisco chegou a levantar esse debate e a aumentar a presença feminina nas instâncias decisórias da Igreja, mas não houve mudanças definitivas sobre o assunto em seu papado.
Em uma entrevista, Grech disse que considera “o diaconato feminino e um espaço diferente para as mulheres na Igreja” como “um aprofundamento natural da vontade do Senhor”, capaz de demonstrar “o dinamismo inerente à história da Igreja”.
✝️Juan José Omella Omella
Ficha de Juan José Omella Omella
Arte/g1
Omella é a favor da decisão de Francisco de acolher casais de pessoas anteriormente divorciadas. Sobre isso, disse que “houve uma necessidade de maior cuidado” com os fiéis.
“Sentimos que, como Igreja, devemos acolher e acompanhar cada pessoa em sua situação específica”.
Sobre a bênção para casais homossexuais, o cardeal ficou “em cima do muro”. Em entrevista à imprensa local, reforçou que a medida do Vaticano é incompreendida na Europa, mas que é natural em outros continentes.
“É uma mudança de mentalidade para a Europa, porque achamos difícil entender essa maneira de pedir a Deus coisas que não eram feitas antes. É uma bênção espontânea que também é realizada na América Latina e que chegou à Europa graças aos imigrantes. Se entendermos dessa forma, entenderemos o texto divulgado pela Congregação para a Doutrina da Fé”, disse ele.
✝️Pietro Parolin
Ficha de Pietro Parolin
Arte/g1
Atualmente, o cardeal atua quase como um “vice-papa”. Ele é tido por especialistas como um dos favoritos ao cargo. Nos temas controversos da Igreja, costuma ficar “em cima do muro” e fugir de polêmicas — provavelmente, como uma tentativa de ser uma figura mais democrática.
Ele não saiu em defesa da bênção para casais homossexuais, mas fez comentários brandos que não demonstram grande oposição ao assunto. Em entrevista, disse que é um ponto “sensível” e que seria necessária uma “investigação mais aprofundada”. Afirmou que a Igreja estava aberta e atenta aos “sinais dos tempos”, mas que deveria ser fiel ao Evangelho.
Já sobre a comunhão para divorciados, ele teve papel importante sobre a implementação em algumas dioceses na América Latina, como na Argentina.
✝️Luis Antonio Gokim Tagle
Ficha de Luis Antonio Gokim Tagle
Arte/g1
Tagle é tido como alguém cuidadoso com suas falas públicas, principalmente quando se trata de questões morais.
Ele costuma apoiar o público LGBTQIAPN+ e criticar católicos que fazem comentários de repreensão a gays. Mas, quando Francisco decidiu que a Igreja abençoaria casais homossexuais, Tagle não se manifestou publicamente (nem a favor, nem contra).
Sobre mulheres, ele também não disse nada oficialmente ou em entrevistas, mas fez parte de uma comissão do Vaticano que analisava o tema e concluiu que o ministério feminino “não era percebido como equivalente ao masculino”.
Em declarações públicas, comparou o aborto a um homicídio.
✝️ Joseph Tobin
Ficha de Joseph Tobin
Arte/g1
O cardeal Tobin atua nos Estados Unidos e é considerado progressista em determinados assuntos.
Uma de suas principais causas é a imigração. Em 2017, já no mandato de Trump, o cardeal acompanhou um imigrante sem documentos em uma audiência de deportação. Frequentemente, ele apela a líderes católicos para que resistam às políticas de restrição à imigração.
Defende a participação e a ordenação de mulheres.
Sobre a bênção a casais homossexuais, ele mostra-se favorável, apesar de dizer que isso não muda o que a Igreja ensina sobre o casamento.
Já acerca da comunhão para divorciados, Tobin ficou “em cima do muro” quando foi questionado por jornalistas da mídia católica: não criticou e disse apenas que esse seria preciso “discernimento” para analisar cada caso.
✝️Peter Kodwo Appiah Turkson
Ficha de Peter Turkson
Arte/g1
O cardeal tem uma forte atuação humanitária e de articulação política em Gana, onde atua. Ele foi presidente do Conselho Nacional de Paz de Gana (NPC), estabelecido com a ajuda da ONU, entre 2006 e 2010.
Ele concorda com o celibato opcional e aponta que essa pode ser uma solução para locais em que não há padres suficientes.
Sobre a bênção para casais do mesmo sexo, ele chegou a apoiar declarações anteriores do Vaticano sobre o assunto, mas não voltou a falar do tema depois da decisão formal da Igreja Católica.
Em uma entrevista, disse que limitar as ordens sagradas aos homens não era discriminação contra as mulheres.
✝️Matteo Maria Zuppi
Ficha de Matteo Zuppi
Arte/g1
O italiano tem um tom moderado ao se expor sobre os assuntos mais polêmicos da Igreja. Apesar disso, entrou em conflito com Matteo Salvini, líder do partido de direita italiano e vice-primeiro ministro, por causa de questões de imigração.
Zuppi defende os direitos dos imigrantes.
Posiciona-se a favor da bênção de casais do mesmo sexo. Já disse que a medida é “um olhar amoroso da Igreja para todos os filhos de Deus, sem minar os ensinamentos do Magistério”.
Foi a favor da bênção para casais divorciados e recasados. Além disso, mostrou-se contrário à ala mais radical da Igreja, que só aceita relações desse tipo quando há castidade.