Arma, que foi liberada a civis no governo Bolsonaro e voltou a ser restrita após decreto de Lula, é visada por criminosos e facções devido ao alto poder de letalidade e versatilidade. Pistola calibre .9mm, de uso restrito, apreendida com foragidos, em Itumbiara, Goiás
Divulgação/Polícia Civil
Entre o vai e vem de decretos, as pistolas de 9 milímetros representam mais da metade de todas as armas de uso restrito aprendidas em São Paulo. Os dados do Sistema Nacional de Armas (Sinarm), administrado pela Polícia Federal (PF), mostram que as apreensões ocorreram principalmente em cidades próximas à capital, como Itupeva (SP), e no noroeste e nordeste paulista.
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O calibre, que era restrito ao Exército, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal (PRF), foi liberado para civis no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e, em julho de 2023, voltou a ser de uso restrito após um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
No estado de SP, 22 armas de 9mm foram apreendidas desde o novo decreto – número que representa 56,4% de todo os 39 armamentos de uso restrito apreendidos neste mesmo período.
Desde o início do novo decreto, 36 pistolas de uso restrito foram apreendidas, mostram os dados da PF, sendo:
21 pistolas de 9mm;
11 pistolas de calibre .40;
4 pistolas de calibre .45 ACP; e
A PF também apreendeu uma carabina de 9mm, e outras duas de .40 e .44 Magnum.
Somente em 2024, a polícia apreendeu em São Paulo 20 armas de uso exclusivo das forças de segurança pública, sendo de armas 9mm. Veja, ano a ano, as apreensões no estado de SP:
De acordo com o consultor do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, esse tipo de arma é muito cobiçado por criminosos por ser “muito ‘versátil’, por ser fácil de esconder, muito usada no crime de rua, para roubos, roubos de veículo, carga, sequestros, sequestros relâmpagos e também homicídios e execuções.”
As facções buscam essas armas para poder modificá-las, a fim de ampliar o poder de destruição do armamento. “[Eles] pegam estas pistolas e modificam para poderem disparar em rajada”, alerta Langeani.
Veja onde as armas foram apreendidas em SP, desde o início do novo decreto:
Mais controle e fiscalização
O delegado aposentado e ex-titular do Serviço Técnico de Apoio da Academia de Polícia Civil e São Paulo (Acadepol), Miguel Castilho Filho, afirma que o controle e a fiscalização ainda são problemas. “O grande problema nosso é a entrada de armas desses calibres nas fronteiras. Nossas fronteiras são muito grandes. Isso gera muito dinheiro para quem faz o comércio. Gera muito dinheiro e não é pouco dinheiro. É o meu entendimento de 40 anos de polícia”, diz.
“Então, é um negócio complicado para a gente chegar no meio termo, de como fazer o controle. Acho que a gente não pode ter ódio, mas também não pode liberar demais.”
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Outro problema, conforme ele, é a legislação, que, em muitos casos, inibe a ação policial. O ex-delegado ainda cita a falta de estrutura para que a fiscalização seja mais abrangente. “Está cada vez mais difícil combater esse tipo de crime.”
De acordo com especialista, não é possível estimar quantas armas irregulares continuam em circulação para cada uma que é apreendida.
Policiais também apreenderam uma pistola 9 milímetros com a numeração raspada
Polícia Civil
A pistola calibre 9mm é considerada uma das mais letais do mundo, podendo neutralizar um ou mais oponentes com apenas um disparo. Entretanto, ele diz ainda que o problema vai além das armas e depende de como a munição é usada, aumentando o poder de letalidade.
Isso vale também para a questão da fiscalização e do controle, que além das armas, passa pelas munições e acessórios. Castilho comenta sobre as apreensões, que considera um fato positivo. “Claro que não é como a gente queria, mas é um bom sinal, sinal de que o mecanismo de repressão funciona.”
Castilho lembra que existem vários tipos de medidas para definir o calibre das armas. Ele cita, por exemplo, a inglesa e a americana. O especialista também comenta que apesar de toda a fama das pistolas de 9 milímetros, ela é apenas a primeira na escala das armas de uso exclusivo das forças de segurança.
Delegados ressaltaram o poder de fogo da pistola 9mm supostamente encontrada com a dupla
Ive Rylo/G1 AM
Ameaça em circulação
Segundo Langeani, especialista em segurança pública, a quantidade de pistolas de 9 milímetros e de outros calibres restritos às forças policiais em circulação pelo país aumentou após o decreto do ex-presidente Bolsonaro que flexibilizou o acesso de armas a civis.
A flexibilização permitia a civis adquirirem:
armas portáteis semiautomáticas ou de repetição que sejam de porte e que não atinjam, com munição comum, “energia cinética superior a 1.200 libras-pé e 1.620 joules”.
armas portáteis de alma lisa (sem raiamentos no cano)
armas portáteis de alma raiada (com raiamentos, para melhora a precisão) que não atinjam, com munição comum, “energia cinética superior a 1.200 libras-pé e 1.620 joules”.
Somente em 2019, ano do decreto que permitiu a posse de armas exclusivas às forças de segurança pública, mais de 3,7 mil registros foram expedidos no país. Conforme dados do Sinarm, o número chegou ao patamar em 2021, quando 95.805 9mm foram registradas no Brasil. Veja no gráfico abaixo:
Na época, em entrevista ao g1, o especialista criticou a decisão de Bolsonaro por aumentar as chances de policiais se depararem com criminosos mais fortemente armados do que eles ao atender a uma ocorrência.
39% das armas legalizadas no Brasil são pistolas 9mm
Em abril deste ano, 2025, um homem foi preso por atirar contra policiais militares em Várzea Paulista (SP). Com o suspeito, a PM apreendeu uma pistola 9mm, uma espingarda calibre .22, uma garrucha (arma de cano curto) e quase 100 munições foram apreendidas.
Armas e entorpecentes apreendidos na operação “Acesso Negado” em Votuporanga (SP)
Polícia Civil/Divulgação
Em maio de 2024, durante uma operação de combate ao tráfico de drogas, em Votuporanga (SP), armas de diversos calibres foram apreendidas. Entre os calibres, três pistolas de 9mm (uma adaptada com conversor para metralhadora). Uma mulher foi presa.
Homem foi preso após disparar arma de fogo contra PMs em Várzea Paulista (SP)
Polícia Militar/Divulgação
Papel da Ouvidoria
Mauro Caseri, ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, comentou os dados de apreensões com otimismo. “Para a sociedade como um todo, a apreensão de armas de uso restrito significa diminuição da força destrutiva por parte dos criminosos e isso é positivo.”
Ainda conforme ele, para a Ouvidoria da Polícia “o essencial é saber a origem desses armamentos apreendidos. Havendo participação de agentes da Polícia Militar é necessário abrir investigação rigorosa e imparcial”.
“Essas armas são, como o próprio nome indica, de uso restrito e devem obedecer a rigorosos padrões operacionais, pois o objetivo do tiro policial seria o de neutralizar o oponente em um confronto armado. O aspecto primordial, todavia, é a preservação da vida do agente público e/ou de civis, e esse valor está acima de tudo.”
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