Dois detentos são assassinados por dia em presídios, aponta estudo

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“Conversando a época, quando eu era ministro do Supremo Tribunal Federal, com o então ministro da Justiça, o nosso Josué Eduardo Martins Cardoso, ele dizia que as prisões brasileiras eram verdadeiras masmorras medievais. Na verdade, eram um verdadeiro Inferno de Dante, como eu classifico hoje. Nesse momento histórico, o Supremo Tribunal Federal acabou reconhecendo que elas estão no estado de coisas inconstitucionais”. 

A análise que acabamos de ouvir é do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, feita durante o lançamento do Plano Pena Justa, em fevereiro deste ano, em Brasília. A iniciativa sem precedentes, coordenada pelo Poder Executivo e pelo Poder Judiciário, foi produzida em resposta à determinação do Supremo Tribunal Federal, que, em 2023, julgou inconstitucional a situação das prisões brasileiras.  

Esse cenário de violações está amplamente descrito na plataforma Observatório Nacional dos Direitos Humanos, que foi tema dessa série de reportagens. Segundo as regras de Mandela das Nações Unidas, conjunto de princípios mínimos para o tratamento de pessoas presas, “nenhum preso deverá ser submetido a tortura ou tratamentos ou sanções cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância”.

No Brasil, a cada dia, em média, dois detentos são assassinados dentro dos estabelecimentos penais, de acordo com os dados divulgados pelo Observatório dos Direitos Humanos. Em 2023, foram 3.091 óbitos no cárcere, 703 deles homicídios. Além disso, 22% das mortes não tiveram motivação conhecida. Quase metade dos registros está ligada à saúde. A advogada Carolina Diniz, coordenadora de Enfrentamento à Violência Institucional da ONG Conectas, avalia que esse cenário é resultado da falta de acesso à saúde digna no sistema penitenciário.

Em Manaus, os relatos de dificuldade de atendimento médico foram trazidos por Lúcia*, que é membro de uma associação de familiares de presos do Amazonas. Lúcia faz referência ao trabalho de peritos independentes que têm acesso às instalações de privação de liberdade para verificar possíveis violações de direitos. Rose Mary Cândido Plans, coordenadora-geral de Combate à Tortura, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, detalha essa política.

No Piauí, a dificuldade de atendimento médico, especialmente para os detentos que precisam de tratamento especializado, é descrita por Márcia, que é familiar de detento e membro de uma associação em defesa dos direitos das pessoas privadas de liberdade.

Segundo dados do Sistema Nacional de Informações Penais, em 2023 foram realizados, em média, menos de três atendimentos médicos para cada pessoa privada de liberdade e de um atendimento psicológico em todo o país.

A maior parte das consultas médicas ocorreu dentro dos próprios estabelecimentos penitenciários, mas quase uma em cada 4 unidades não possuía qualquer módulo de atendimento de saúde.

Surtos em presídios

Márcia destaca a preocupação com doenças contagiosas, como a tuberculose. Em 2023, o estado do Piauí confirmou 43 casos da doença entre detentos.  Além disso, o relato de Márcia ressalta a falta de suporte para atendimentos médicos de urgência.

Em todo o país, houve um crescimento de 47% dos casos notificados de tuberculose na população carcerária entre os anos de 2015 e 2023.  Segundo o Ministério da Saúde, a população privada de liberdade tem risco 29 vezes maior de adoecimento por tuberculose em relação à população geral.

Os dados do Observatório Nacional dos Direitos Humanos indicam que, em 2023, mais de 10 mil detentos tinham HIV, mais de 9 mil apresentavam sífilis e mais de 7.800 tinham tuberculose.  “As más condições das prisões, como superlotação e medidas restritivas a banhos de sol, agravam a disseminação de doenças”, aponta o documento.

Em resposta via Plataforma de Ouvidoria e Acesso à Informação, da Controladoria-Geral da União, a Secretaria de Justiça do Piauí informou que as unidades prisionais do estado contam com Unidades Básicas de Saúde. Em caso de necessidade de atendimento especializado, o custodiado entra na fila do SUS, sem prioridade. O agendamento pode ser realizado pelo setor social e de enfermagem da unidade, caso a família não queira ir ao órgão responsável para realizar a marcação na unidade mais próxima da residência.

A Sejus afirma que realiza ações preventivas sobre tuberculose, inclusive com busca ativa e realização de exame de baciloscopia nos casos suspeitos. Em casos mais graves, o SAMU é acionado. Caso o serviço móvel recuse atendimento, o custodiado é escoltado no próprio transporte da unidade para um pronto-socorro.

Organizações criminosas

A presença de organizações criminosas no sistema penitenciário é outro grande problema a ser enfrentado pelo Estado. Estima-se que existem hoje mais de 70 facções criminosas atuando dentro dos presídios. O Plano Pena Justa também mira a retomada desse território pelo poder público, como explica o Secretário de Nacional de Políticas Penais, André Garcia.

“Fornecer adequadas condições de cumprimento de pena permite superar o que sustenta o funcionamento das facções nas prisões”, defendeu o governo federal em publicação sobre o Pena Justa no fim de fevereiro.

O crime organizado é descrito legalmente por grupos que atuam com o propósito de cometer delitos graves visando ao lucro, à corrupção, à prática da violência e aos abusos de autoridade sobre uma população em estado de vulnerabilização.

O Plano Pena Justa engloba ainda o atendimento especializado às vítimas da violência, especialmente menores de idade. 

São 51 ações e 306 metas a serem cumpridas até 2027 para garantir a continuidade de mudanças no sistema prisional.

*Com produção de Salete Sobreira e sonoplastia de Jailton Sodré

Este é o episódio 5 da série especial Sistema Prisional. Confira os outros episódios aqui. 

Grades, Prisão, detento. Foto: diegoattorney/Pixabay

© diegoattorney/Pixabay

Direitos Humanos Brasília 02/05/2025 – 09:22 Roberta Lopes / Edgard Matsuki Daniella Longuinho* – Repórter da Rádio Nacional especial Sistema Prisional prisões detentos sexta-feira, 2 Maio, 2025 – 09:22 9:48

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