
Ex-funcionárias e clientes da empresa Laser Fast, em São José do Rio Preto (SP), relatam atrasos salariais, demissões sem acerto, descumprimento de contratos e danos à saúde mental. Uma das unidades da Laser Fast em São José do Rio Preto (SP)
Reprodução/Google Streat View
Apesar dos serviços suspensos pela Justiça, a rede de depilação Laser Fast continua enfrentando diversas denúncias de ex-colaboradores e clientes em São José do Rio Preto (SP).
Para uma advogada especialista em direito constitucional do trabalho, a orientação para que uma ex-funcionária “coloque a empresa em oração” quando cobrou verbas trabalhistas atrasadas é uma inversão de valores e violação dos direitos garantidos por lei.
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A situação tem gerado revolta de ex-funcionários, que relatam, tanto em redes sociais quanto em plataformas de registro de reclamações, atrasos frequentes no salário, pressão psicológica, assédio moral e demissões sem o pagamento de verbas rescisórias.
Após novas denúncias virem à tona, o g1 conversou com Mirela Pelegrini Nardin, especialista e pós-graduada em direito constitucional do trabalho, de 31 anos.
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Nardin reforça que a fé jamais pode ser utilizada como pretexto para o descumprimento de obrigações legais. Ela explica que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina que o pagamento das verbas rescisórias deve ser feito em até dez dias após o encerramento do contrato. O não cumprimento desse prazo pode gerar multa, juros e, em alguns casos, ações por danos morais.
“Negar direitos básicos e, paralelamente, fazer apelos espirituais é uma conduta que não só fere o ordenamento jurídico, como ignora a realidade dura e concreta de quem vive do próprio trabalho”, afirma Mirela.
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Reprodução
Vida de incertezas
A consultora comercial Jéssica Gonçalves Ramos de Carvalho, de 27 anos, conta que trabalhou por quase três anos na Laser Fast até pedir a rescisão indireta por falta de pagamento.
“Saí de férias sem receber nada. Sabia que não ia ver esse dinheiro. Só de salários e férias, me devem cerca de R$ 10 mil. Fora FGTS, vale, 13º”, lamenta. Hoje, ainda registrada na empresa e aguardando audiência na Justiça, ela vive com incertezas.
“A gente tem família, contas atrasadas. Estamos tentando sair do buraco que nos colocaram”, desabafa.
Em mensagens ao RH e ao diretor da empresa, Jéssica implora pelo pagamento de seu salário. Mensagens não foram respondidas
Reprodução/Redes sociais
Sobre isso, a advogada explica que esse tipo de situação afronta diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana. “O trabalhador não pode ser abandonado à própria sorte. A empresa, mesmo em crise, deve buscar meios legais de acerto”, explica. Ela ainda reforça que vivemos em um Estado laico e regido por leis.
“A espiritualidade, embora importante, não substitui a responsabilidade jurídica. Pedir orações em lugar de cumprir deveres legais não é apenas inadequado, é ilegal. Uma inversão inaceitável de valores”, esclarece.
A ex-supervisora Laís Andrade Lima Silva Carvalho, de 26 anos, relata uma escalada de problemas nos três anos em que trabalhou na rede. “Começaram a atrasar salários, dividir pagamento em duas vezes, e nos tratavam com grosseria quando perguntávamos sobre nossos direitos”, lembra. Após a demissão, a ex-colaboradora não recebeu nenhum direito, como FGTS e multas.
“Fiquei sem chão. Desenvolvi depressão e ansiedade. Estou sem trabalhar por conta da minha saúde mental”, desabafa.
Laís afirma ter sido bloqueada pela empresa após inúmeras tentativas de contato
Reprodução/Redes sociais
Segundo ela, nem mesmo acordos verbais foram cumpridos. “Ofereceram um acordo de R$ 450 semanais, pagaram só quatro parcelas e sumiram. Não deram nem papel para assinar”, diz.
A advogada destaca que os trabalhadores nessas condições têm respaldo legal para buscar reparação. “Além de propor reclamação trabalhista, podem pleitear indenização por danos morais e, em casos mais graves, pedir a responsabilização dos sócios pela má gestão empresarial”, esclarece Mirela.
A cozinheira Silvana Manfrin de Oliveira Sebastião, de 44 anos, é ex-cliente e segue pagando por um pacote de depilação que não foi cumprido. “Fiz um pacote e dividi em 18 vezes no cartão, paguei nove prestações, mas não consigo mais atendimento”, conta.
Com apenas três sessões realizadas, sendo a última em dezembro de 2024, Silvana reforça a frustração com a situação. “Eles sumiram, não respondem mensagens, e ainda recebo cobranças como se estivesse devendo”, compartilha.
Após pagar mais da metade do pacote contratado, Silvana afirma ter realizado apenas 3 sessões de depilação
Arquivo pessoal
Relembre o caso
O g1 vem acompanhando a série de denúncias envolvendo a empresa. Em abril, uma reportagem da TV TEM revelou que a rede de depilação acumulava mais de 2 mil reclamações no site do Procon por descumprir contratos com clientes e funcionários.
Já em maio, ex-colaboradores denunciaram que, ao cobrarem seus direitos, chegaram a receber mensagens da diretoria pedindo que “colocassem a empresa em oração”.
O g1 pediu um posicionamento à empresa Laser Fast após as novas denúncias, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. Em nota enviada em 24 de abril deste ano, a empresa garantiu que nenhum cliente ficará sem atendimento.
*Colaborou sob supervisão de Gabriela Almeida
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