
Empresa tinha licença para barco-hotel, mas foi flagrada com chalés e barracões em área de preservação. Femarh embargou o local e Ministério Público apura possível crime ambiental. Pousada de pesca esportiva é investigada pelo MP por crime ambiental
Reprodução/Instagram
O Ministério Público (MP) de Roraima investiga indícios de crime ambiental na construção de uma pousada para pesca esportiva dentro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Xeriuiní, na região do Baixo Rio Branco. A obra, realizada pela empresa Vila Nova Amazon Agência de Viagens Ltda, foi embargada pela Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh) após uma denúncia anônima e fiscalização no local.
O nome da pousada seria “Xeruini Lodge” e já estava operando. De acordo com a portaria do MP assinada pelo promotor Válcio Luiz Ferri no dia na última quinta-feira (15), a suspeita é de que a construção foi “realizada sem autorização do órgão ambiental competente”.
Segundo a Femarh, a empresa possuía licença apenas para operar como barco-hotel. No entanto, foi constatada a construção de 10 chalés, dois barracões e outras estruturas físicas em solo firme, ocupando uma área de 0,2782 hectares dentro da unidade de conservação, o que configurou infração ambiental.
O g1 procurou a empresa Vila Nova Amazon Agência de Viagens, questionou se há o interesse em se posicionar e aguarda respostas.
Nas redes sociais, a pousada é descrita como “especializada em pesca esportiva de tucunaré-açu” — peixe mais visado por turistas estrangeiro para a prática, que gera conflito com comunidades ribeirinhas e pescadores artesanais. A empresa publica fotos de hospedes segurando os peixes.
Turistas seguram peixes em publicações da Xeruini Lodge nas redes sociais
Reprodução/Instagram/Xeruini Lodge
LEIA TAMBÉM:
Pescador preso por crime ambiental relata perseguição no baixo Rio Branco
Além da investigação criminal, a portaria também determina providências administrativas internas para o andamento do processo, como a designação de servidores para a apuração.
Investigação criminal
A denúncia foi recebida pela Femarh em 2024, de acordo com a Fundação. Entre os dias 2 e 11 de setembro daquele ano, técnicos, com apoio da Polícia Militar Ambiental, realizaram uma operação de fiscalização na área.
Diante da constatação das irregularidades, a Fundação determinou o embargo imediato das construções e da área afetada, além da suspensão de todas as atividades comerciais no local até a devida regularização.
A empresa foi notificada no ato da fiscalização e posteriormente autuada em 15 de outubro de 2024. Já em 22 de outubro de 2024, o auto de infração e o relatório ambiental foram formalmente encaminhados ao Ministério Público Estadual e à Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente da Polícia Civil de Roraima.
Um novo retorno ao local foi feito em 9 de abril de 2025, dessa vez com apoio do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Na ocasião, a equipe da Femarh não identificou sinais de atividade no local, nem descumprimento do embargo determinado meses antes.
O promotor Vácio Luiz Ferri, ao publicar a portaria do MP, entendeu que a construção de infraestrutura para fins turísticos e de pesca esportiva ocorreu sem autorização do órgão ambiental competente, o que pode configurar crime previsto na legislação ambiental brasileira.
Região de tensão
A Região do Baixo Rio Branco, localizada em Caracaraí, no Sul de Roraima, é alvo de tensões por território entre turistas e ribeirinhos — e os conflitos não são de hoje. De acordo com o pesquisador Lúcio Galdino, doutor em geografia pela Universidade Federal do Ceará, e professor do curso de geografia da UERR que pesquisa o território ribeirinho e conflitos com a pesca esportiva no Baixo Rio Branco, a pesca esportiva começou a crescer na região há pelo menos 10 anos.
Lúcio Galdino, doutor em geografia pela Universidade Federal do Ceará, e professor do curso de geografia da UERR, que pesquisa os conflitos entre ribeirinhos e turistas da pesca esportiva
Caíque Rodrigues/g1 RR
De acordo com ele, os conflitos evoluíram há cerca de seis anos e, para ele, o motivo é que a Amazônia é uma das maiores reservas de biodiversidade do mundo – diversidade que se estende para as águas do Baixo Rio Branco.
Essa diversidade proporciona paisagens naturais que são ideais para o turismo, incluindo o chamado “turismo selvagem”. A pesca esportiva é um exemplo desse tipo de turismo, no qual visitantes vêm com o objetivo de registrar experiências e pescar espécies consideradas exóticas.
“Em certas áreas do Baixo Rio Branco e de seus afluentes, onde existem espécies de peixes mais raras e valorizadas, os ribeirinhos estão sendo impedidos de pescar, o que compromete seu sustento. Espécies como o tucunaré, por exemplo, são muito procuradas pelos turistas e, ao mesmo tempo, essenciais para a subsistência das comunidades locais”, explica o pesquisador.
De acordo com Lúcio, a pesca esportiva, mesmo liberando o peixe após tirá-lo da água, causa também mortalidade aos animais.
“Além disso, há relatos de que a prática da pesca esportiva causa uma significativa mortandade de peixes. Ao serem capturados e devolvidos à água, muitos peixes ficam feridos, o que pode levar à morte de uma parcela significativa deles. Isso é motivo de preocupação tanto para os ribeirinhos quanto para os pesquisadores”.
O motivo do conflito, de acordo com Lúcio, é o incômodo que a presença dos ribeirinhos parece causar aos turistas e aos promotores da pesca esportiva. Há relatos de intimidações para afastar essas comunidades das áreas de maior interesse econômico. Áreas como Água Boa do Univini e o Rio Anauá têm sido palco de conflitos mais intensos.
Ele destaca que muitos pescadores que viviam lá foram expulsos. Antes, o local era acessível para todos, mas, com o tempo, passou a ser exclusivo para turismo, de acordo com ele.