Feminina, Joyce Moreno nega ‘verdade’ da Amélia no sopro moderno de samba que antecede o álbum ‘O mar é mulher’


Joyce Moreno lança amanhã, 22 de maio, ‘Adeus, Amélia’, single que anuncia o álbum ‘O mar é mulher’, programado para 12 de junho
Isabela Espíndola / Divulgação
♫ OPINIÃO SOBRE DISCO
Título: Adeus, Amélia
Artista: Joyce Moreno
Cotação: ★ ★ ★ ★ ★
♬ Em 27 de novembro de 1941, o cantor e compositor mineiro Ataulfo Alves (1909 – 1969) entrou no estúdio da gravadora Odeon, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), e gravou samba que sacramentou a moral machista da época ao celebrar com nostalgia a submissão de Amélia, figura fictícia, mas criada com inspiração na esposa do irmão da cantora Aracy de Almeida (1914 – 1988).
A Amélia inventada do samba era “mulher de verdade” porque, além de subserviente ao marido, era recatada e devotada ao lar. Luxo e riqueza? Nem pensar!
O samba se chamava Ai, que saudades da Amélia! e, ao ser lançado em janeiro de 1942, se tornou um dos sucessos do Carnaval daquele ano. Já a letra, escrita por Mário Lago (1911 – 2002) e alterada por Ataulfo na criação da melodia, virou símbolo do machismo por enaltecer o apagamento da figura feminina.
Corta para outubro de 1967. Joyce Moreno, nascida em janeiro de 1948 – seis anos após o lançamento do samba – e então com 19 anos, escandaliza a plateia e o júri de festival ao defender samba-canção, Me disseram, em que deu voz a uma letra escrita sob ótica feminina com direito a um ‘meu homem’ em um dos versos. No Brasil., era a primeira vez que uma mulher se expressava explicitamente no gênero feminino ao compor uma música.
Corta para maio de 2025. Com a moral de ter composto sambas como Feminina (1979) e outras músicas que redesenharam o perfil da mulher na música brasileira, inclusive como compositora, Joyce Moreno lança samba em que nega as verdades proclamadas pelo samba de 1942 e pelos defensores das Amélias da vida real, descontruindo o mito da mulher submissa.
Adeus, Amélia é o título do samba que chega ao mundo amanhã, 22 de maio, anunciando o álbum O mar é mulher, primeiro disco de músicas inéditas de Joyce desde Brasileiras canções (2022).
No álbum O mar é mulher, programado para 12 de junho pela gravadora Biscoito Fino, Joyce Moreno emerge com parcerias com Zé Renato, Paulo César Pinheiro, Ronaldo Bastos, João Donato (1934 – 2023), Donatinho e Jards Macalé (com quem compôs Um abraço do João, samba de 2021 incluído no álbum na gravação feita com Macalé e lançada em agosto de 2024), além de apresentar cinco músicas inéditas em que fez sozinha a melodia e a letra.
Uma dessas cinco músicas é justamente o samba Adeus, Amélia, valorizado na gravação pelo estupendo arranjo de sopros do trombonista Rafael Rocha.
É no sopro arejado de um trio de metais – formado pelo trombone de Rafael Rocha, o trompete de Jessé Sadoc e o sax tenor de Marcelo Martins – que Joyce (voz e violão) canta e legitima versos como “Dizem que Amélia é mulher de verdade / Mas eu sou de outra opinião / Eu não lhe dou facilidade / Eu não lhe dou satisfação / Eu boto é lenha na fogueira / Pra acender seu coração” em clima de gafieira moderna, como bem caracteriza a artista no texto promocional do single.
A swingueira tem toque de jazz, perceptível mais ao fim da gravação, no toque do piano de Hélio Alves, em perfeita sintonia com a cozinha luxuosa de Tutty Moreno (bateria) e Rodolfo Stroeter (baixo).
Samba coerente com a ideologia musical e feminista (mas nunca panfletária ou embebida em ódio) de Joyce Moreno, Adeus, Amélia se banha na refinada musicalidade da artista carioca, essa, sim, personificação da mulher de verdade.
Capa do single ‘Adeus, Amélia’ , de Joyce Moreno
Isabela Espíndola / Divulgação
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