‘Eu não imaginava que um senhor ia fazer isso’, diz vítima de neurocirurgião suspeito de importunar e estuprar ao menos quatro mulheres em SP


Primeira denúncia é de maio de 2015; registro do médico, que tem 73 anos, foi interditado em maio deste ano. Em um dos casos, paciente diz que neurocirurgião insinuou tê-la estuprado após cirurgia. Neurocirurgião de 73 anos é suspeito de importunar e estuprar ao menos quatro mulheres
“Eu não imaginava que um senhor ia estar fazendo isso com a gente num momento difícil, onde minha sogra não estava bem”, desabafou uma das mulheres que afirma ter sido vítima do médico neurocirurgião, de 73 anos, investigado por suspeita de importunar sexualmente e estuprar ao menos quatro mulheres no interior de São Paulo. Veja a cronologia dos relatos clicando AQUI.
As vítimas são de diferentes cidades e relatam terem sido assediadas quando eram atendidas ou acompanhavam familiares. A mulher, que hoje tem 47 anos, disse que acompanhava a sogra em uma consulta no hospital Irmãos Penteado em 2015, em Campinas (SP), quando teria sido assediada. Veja o relato abaixo.
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De acordo com os boletins de ocorrência, os casos aconteceram na clínica do investigado e no Hospital Irmãos Penteado, na metrópole. Em um dos depoimentos, a vítima contou à Polícia Civil que o médico insinuou tê-la estuprado enquanto se recuperava de uma cirurgia e a importunou durante a internação na unidade hospitalar.
A defesa do médico negou as acusações e informou que ele se afastou das funções profissionais relacionadas aos episódios investigados para preservar a integridade do processo. Ainda segundo a defesa, o médico prestou esclarecimentos formais à polícia, apresentou documentos, indicou testemunhas e sugeriu diligências para comprovar a regularidade de sua atuação profissional.
Caso ocorreu em 2015
Em 2025, a mulher de 47 anos afirma que o médico pediu que ela o acompanhasse até uma sala para ver os resultados dos exames da sogra. Ela diz que estranhou que ele trancou a sala.
“Ele começou a querer colocar a mão em mim, colocou a mão nas minhas mãos. Eu falei que não queria nada disso, queria as informações, o resultado da minha sogra. Porém, ele ainda ficava falando que meus olhos eram bonitos, que simpatizou muito comigo”, relata.
A mulher conta que chegou a dizer que queria ir embora, mas o médico teria insistido.
“Aí ele começou a pegar minha mão, colocar em volta do pescoço, querer me beijar. E eu disse pra ele, ‘me deixa ir embora, porque eu sou casada, tenho uma filha, e se o senhor não parar, eu vou gritar’. Conseguimos sair da sala, ele queria pegar na minha mão, mas a gente acabou saindo de lá”, narra a vítima.
Segundo a vítima, o neurocirurgião colocou as mãos nas costas dela, a puxou para perto dele e chegou a tocar nos lábios.
“E eu fiquei muito assustada com isso, porque eu não imaginava que um senhor ia estar fazendo isso com a gente num momento difícil, onde minha sogra não estava bem”, afirma.
A vítima registrou Boletim de Ocorrência na época, a primeira denúncia realizada contra o médico, mas mas a polícia civil informou que o caso foi configurado como não criminal por falta de provas.
“A gente se sente bem impotente nessas ocasiões, você não pode fazer nada”, desabafa. “Que esse profissional pague por isso, principalmente ficando, pelo menos na cadeia, onde não possa importunar outras mulheres”.
Outras vítimas
“O resgate disso hoje foi um gatilho para uma situação que eu não desejo para ninguém”, disse outra vítima, que relata ter sido assediada pelo médico nos anos de 2019 e 2020.
“Ele, ao se despedir, dava beijo na testa, ele gostava de colocar as mãos na minha coxa, durante a passagem dele para o boletim”, diz a mulher.
Ela passou por uma cirurgia na coluna pela segunda vez em 2019. Na consulta de retorno da cirurgia para ter alta, em 2020, a vítima conta que ele chegou a esfregar as partes íntimas e tentou beijá-la.
“Ao final da consulta, após novamente tentar me convidar veladamente para sair, ele tentou me abraçar e eu tentei me esquivar. Mesmo assim, ele me puxou, esfregou as partes íntimas dele em mim, tentou me beijar na boca. Nesse momento, eu não consegui ter nenhuma atitude, além de empurrar-o e sair do consultório”, afirma.
A vítima informou que não registrou Boletim de Ocorrência, mas encaminhou e-mails para os locais em que ele prestava serviços, como a Unimed. Segundo ela, apenas a Unimed chegou a dar retorno, tentando marcar um encontro presencial.
Registro interditado
O médico também atende no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp e é professor da universidade. Natural da Paraíba, onde foi candidato a deputado estadual em 2018, ele tem registros nos Conselhos Regionais de Medicina da Paraíba (CRM-PB) e de São Paulo (Cremesp).
O CRM-PB informou que o registro dele está em interdição cautelar total, situação que invalida outros registros que ele tenha, como o de São Paulo. O Cremesp confirmou que o CRM do neurocirurgião está suspenso desde 20 de maio de 2025.
Na tarde desta quinta-feira (5), o nome do médico ainda constava no site do HC da Unicamp como integrante da equipe de neurocirurgia do hospital. O HC informou que o nome será retirado.
Investigações
Parte das investigações é realizada pelo 5º Distrito Policial de Campinas. A Polícia Civil informou nesta quinta-feira (6) que um inquérito foi concluído e enviado ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Por tratar de crimes sexuais, o processo corre em segredo.
A 1ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Campinas também realiza procedimentos criminais, sendo que alguns deles ainda estão em andamento e outros já foram concluídos, segundo a polícia. Um termo circunstanciado relacionado a um caso anterior também foi finalizado.
Casos são investigados pela 1ª DDM de Campinas
Daniel Mafra/EPTV
Cronologia dos casos
A EPTV, afiliada da TV Globo, teve acesso a boletins de ocorrência registrados pelas vítimas. Veja abaixo a cronologia e os detalhes de cada caso:
Maio de 2015
Uma moradora de Americana (SP) registrou um boletim de ocorrência contra o médico na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Santa Bárbara D’Oeste (SP). A mulher relatou que acompanhava a sogra em uma consulta no Hospital Irmãos Penteado, em Campinas, quando o médico pediu que ela o acompanhasse até uma sala para ver o resultado dos exames.
Neste momento, o neurocirurgião teria pegado seus braços e colocado em seus ombros enquanto dizia “me abraça gostoso”. Em seguida, teria dito “simpatizei com você desde o instante que chegou, você tem os olhos bonitos”. Segundo a denunciante, ele ainda a segurou pelo pescoço e tentou beijá-la. Depois, forçou que ela ficasse, mas a vítima conseguiu sair.
Conforme o boletim de ocorrência, ele continuou segurando o braço da vítima enquanto dizia “não precisa ficar brava porque eu quero te fazer um carinho”. De acordo com a Polícia Civil, esse caso deu origem à um inquérito, mas foi arquivado por falta de provas.
Maio de 2021
Uma moradora de Campinas registrou boletim de ocorrência por importunação sexual na DDM da metrópole. À polícia, ela contou que estava na clínica do neurocirurgião para uma consulta quando ele a mandou tirar a máscara e disse “você é muito bonita, uma princesa”.
Ainda segundo o boletim, ela estranhou o fato dele fazer muitas perguntas pessoais e, ao fim do atendimento, o neurocirurgião a abraçou e beijou a paciente nos dois lados do pescoço e depois na testa.
2022
Em boletim de ocorrência registrado em 2023, a vítima conta que, no ano anterior, o neurocirurgião tentou agarrá-la e beijá-la dentro de uma clínica do bairro Botafogo, mas ela conseguiu sair.
Em outra data, quando voltou ao local para acompanhar a mãe, o médico disse “não esqueça que você está me devendo algo”.
De acordo com o depoimento, outras duas mulheres da família da vítima também sofreram importunação sexual do médico.
Agosto de 2023
Uma paciente relatou que o neurocirurgião se despediu dela com um beijo no rosto e, de surpresa, um beijo na boca. Conforme relato registrado na Delegacia da Mulher, ele continuou tentando beijá-la, dizendo que ela era bonita.
Setembro de 2023
Uma vítima procurou a Delegacia de Paulínia dizendo que o neurocirurgião a beijou, tocou em seus seios e mostrou a genitália para ela durante uma consulta na clínica dele.
A vítima passou por uma cirurgia com ele no Hospital Irmãos Penteado e, após o procedimento, segundo o boletim, o profissional deu a entender que havia estuprado a paciente enquanto ela se recuperava da intervenção.
Ainda de acordo com a mulher, durante os quatro dias de internação, o médico a assediou passando as mãos em sua genitália, nádegas e seios. Os fatos foram relatados pela vítima a uma enfermeira da unidade de saúde.
Outro processo
O médico também responde a um processo por danos morais movido por uma enfermeira que participou de uma cirurgia com ele no Hospital Irmãos Penteado. Ele foi condenado à pagar uma indenização de R$ 10 mil à denunciante.
O que dizem os hospitais
A clínica em que o médico atendia fica na Rua José Paulino, no centro de Campinas (SP). Atualmente o imóvel está à venda. O Hospital de Clínicas da Unicamp disse que ele solicitou férias e deve ser afastado até a conclusão de um processo administrativo ligado a ele.
O Hospital Irmãos Penteado informou que não pode comentar o caso por impedimentos de ordem legal. Disse ainda que, quando recebe denúncia dessa natureza, toma providências previstas em lei e em suas normas internas, e comunica as autoridades competentes.
A Sociedade Brasileira de Neurocirurgia também foi questionada sobre a atuação do médico, mas não respondeu. O Ministério Público de São Paulo (MPSP) também não informou ainda se há alguma investigação em andamento.
O que diz a defesa do médico?
Em nota, a defesa negou as acusações e informou que ele se afastou das funções profissionais relacionadas aos episódios investigados para preservar a integridade do processo.
Ainda segundo a defesa, o médico prestou esclarecimentos formais à polícia, apresentou documentos, indicou testemunhas e sugeriu diligências para comprovar a regularidade de sua atuação profissional.
“A defesa confia plenamente na atuação responsável das instituições e na rigorosa observância dos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência – garantias essenciais à imparcialidade do sistema de Justiça e à proteção contra julgamentos precipitados”, informou.
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