É tudo caracol? Como diferenciar caracóis nativos do caramujo africano invasor


Confusão entre espécies prejudica biodiversidade e põe em risco animais importantes para o equilíbrio dos ecossistemas. Caramujo-gigante-africano (à esquerda) e aruá-do-mato (à direita), espécie nativa do Brasil
Arte TG
Na tentativa de tentar controlar a população de caramujos africanos (Achatina fulica), uma espécie invasora que causa prejuízos à agricultura e pode transmitir doenças, muitos vezes os caracóis nativos do Brasil têm sido mortos pelas pessoas por engano.
A confusão entre espécies dos gêneros Megalobulimus, Orthalicus, Drymaeus, Thaumatus e Mirinaba e o caramujo-gigante-africano é uma preocupação dos biólogos especializados nesses moluscos. Isso porque algumas espécies presentes nesses grupos estão ameaçadas de extinção e são fundamentais para a manutenção dos ecossistemas locais.
Muro de São Luís com os caramujos africanos
Reprodução/Jornal Nacional
O estereótipo de animal nojento e transmissor de doenças dos caracóis e caramujos esconde a importância desses seres, que têm um papel importante na reciclagem de nutrientes do solo, controle de populações de plantas e fungos, fonte de alimento para outros animais e, em alguns casos, dispersão de sementes e esporos.
Diferentemente do invasor africano, que se reproduz rapidamente gerando centenas de filhotes por ninhada, os caracóis nativos têm um ciclo reprodutivo mais lento e desovas menos numerosas.
Ovos do caramujo africano também transmitem vermes em São João da Boa Vista
Eder Ribeiro/EPTV
“De forma geral, o caracol costuma ser distinguido de outras espécies por possuir uma concha bastante cônica, com padrões de coloração de padrões tigrados de marrom e creme, borda ‘cortante’ e menos espessa que as espécies que temos no nosso país”, informa o pós-doutorando do Instituto Oceanográfico da USP Marcel Sabino Miranda.
Em caso de dúvida, o ideal é tentar buscar informações confiáveis antes de eliminar os moluscos. Para isso, ele recomenda consultar sites de faculdades e institutos de pesquisa, especialmente materiais da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), que produz periodicamente folhetos informativos sobre o tema.
“Eliminar espécies nativas leva a reduções e perda de populações com o passar do tempo, que são mais difíceis de recuperar. Além disso, nossas espécies se reproduzem muito mais lentamente e desovam em menor quantidade que o caracol africano. Isso pode levar a extinções locais e, em alguns casos, das próprias espécies”, alerta o biólogo marinho.
Outro agravante explicado por ele é que, com a eliminação dos nativos, podemos também aumentar o risco para a saúde pública. “O caracol africano é mais susceptível a transmitir parasitoses do que muitas das espécies nativas, o que pode levar a maior transmissão de doenças para as populações humanas”.
Exemplos de caracóis nativos
Um dos grupos afetados pela confusão inclui as espécies do gênero Megalobulimus, conhecidos como os maiores caracóis terrestres nativos da América do Sul. Das 80 espécies endêmicas descritas no continente, 60 ocorrem no Brasil.
São animais que vivem no solo e são bastante sazonais, entrando em dormência em períodos muito quentes, muito frios ou muito secos. Noturnos, têm seu pico de atividade por volta da meia noite, e de dia ficam enterrados no subsolo para descansar e evitar a perda de água. Botam ovos semelhante a ovos de codorna, com cerca de 2 a 3 cm de diâmetro.
Caracol nativo do gênero Megalobulimus
Bruno Möller / iNaturalist
“Neste momento, suas populações sofrem bastante com a destruição e perda de habitat, mudanças climáticas, e tráfico ilegal para venda de caracóis, tanto nacional como internacional. Com isso, muitas espécies são bastante sensíveis e correm risco de extinção”, afirma Miranda.
Outro gênero que pode ser associado erroneamente ao caramujo invasor é Mirinaba. Com 10 espécies descritas, o grupo de caracóis ocorre principalmente no Brasil e Argentina. “Sua biologia ainda é desconhecida, pois ainda não temos estudos básicos populacionais, mas se acredita que tenham padrões semelhantes aos Megalobulimus”, acrescenta.
Mirinaba erythrosoma, caracol nativo registrado no Rio Grande do Sul
joao_andriola / iNaturalist
Educação ambiental
Publicado por Marcel Miranda e Iracy Lea Pecora, um artigo intitulado “Salvando e aprendendo com Megalobulimus” descreve o trabalho de educação ambiental focado na diferenciação entre o carola nativo aruá (M. paranaguensis) e o caramujo-africano (A. fulica).
Aruá-do-mato (Megalobulimus paranaguensis)
Daniel Cavallari / iNaturalist
O trabalho foi realizado com alunos do Ensino Fundamental de escolas públicas e privadas das cidades de São Vicente (SP) e Praia Grande (SP). Nele, foram levados às escolas espécimes vivos, ovos e conchas de diferentes tamanhos das duas espécies, para demonstrar como se identificam e se caracterizam.
Os estudantes puderam aprender sobre elas e a problemática ambiental que as envolve, manusear os aruás (que são inofensivos) e responder perguntas sobre o assunto. O objetivo seria “formar defensores da espécie nativa e controladores seguros da população de Achatina fulica”, segundo os autores.
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